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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

IMPROCEDÊNCIA DA FÉ IMPLÍCITA DOS ESCOLÁSTICOS

Portanto, é justo atribuir-se este mal, como inúmeros outros, aos escolásticos, pelo fato de tentarem ocultar a Cristo sob um véu. Ora, a não ser que lhe volvamos diretamente a visão, resultará que sempre divagaremos por muitos labirintos. Além disso, com sua caliginosa definição, enfraquecem e quase aniquilam toda a força da fé; engendraram a ficção da “fé implícita”, expressão com que, adornando a mais crassa ignorância com grande dano, enganam ao mísero populacho. Mais ainda, para falar mais verdadeira e mais abertamente as coisas como o são, esta ficção não apenas sepulta a verdadeira fé, mas até de todo a destrói. Porventura crer seria nada entender, contanto que alguém submeta obedientemente seu entendimento à Igreja? A fé não se assenta na ignorância, mas no conhecimento, e certamente não apenas o conhecimento de Deus em si mesmo, como também da divina vontade. Porque não conseguimos a salvação por estarmos dispostos a aceitar como verdade tudo quanto a igreja tenha prescrito, ou porque lhe relegamos a função de indagar e conhecer. Alcançamo-la, porém, quando reconhecemos que, feita a reconciliação através de Cristo [2Co 5.18, 19], Deus nos é o Pai propício e, na verdade, Cristo nos foi dado como justiça, santificação e vida. Afirmo que, por meio deste conhecimento, não pela submissão de nosso sentimento, é que obtemos ingresso no reino dos céus. Ora, quando o Apóstolo diz: “Com o coração se crê para a justiça e com a boca se faz confissão para a salvação” [Rm 10.10], não indica ser suficiente que alguém creia implicitamente o que não entenda, nem mesmo investigue; ao contrário, requer reconhecimento explícito da bondade divina, na qual se assenta nossa justiça.

João Calvino