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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

A UNIDADE DA PESSOA DO MEDIADOR


Mas, de todas as passagens que abrangem, a um tempo, ambas essas naturezas, indicam mais claramente a verdadeira substância de Cristo, as quais no Evangelho de João existem muitíssimas. Pois não foi exclusivo nem da divindade, nem da humanidade, mas de ambas ao mesmo tempo, o que aí se lê, ou, seja: que ele recebeu do Pai o poder de remitir os pecados [Jo 1.29]; de ressuscitar aos que queira; de prodigalizar justiça, santidade, salvação; de ser investido como juiz de vivos e mortos, para que fosse honrado da mesma forma que o Pai [Jo 5.21-23]. Finalmente, que é chamado “a luz do mundo” [Jo 8.12; 9.5], “o bom pastor” [Jo 10.11], “a única porta” [Jo 10.9], “a videira verdadeira” [Jo 15.1]. Pois o Filho de Deus havia sido dotado de prerrogativas desta natureza quando foi manifestado na carne, prerrogativas que, embora as possuísse juntamente com o Pai antes que o mundo fosse criado, contudo não da mesma maneira e sob o mesmo aspecto; pois de forma alguma podiam competir a um homem, que não fosse mais que mero homem. Nesse mesmo sentido também importa receber o que se lê em Paulo: “Consumado o Juízo, Cristo entregará o reino ao Deus e Pai” [1Co 15.24]. Certamente, o reino do Filho de Deus, que não teve nenhum começo e não haverá de ter fim. Como, porém, ele se ocultou sob a humildade da carne, e assumindo a forma de servo a si mesmo se esvaziou [Fp 2.7], e deposta a magnificência da majestade postou-se obediente ao Pai [Fp 2.8], e, tendo desempenhado uma sujeição dessa ordem, “por fim foi coroado de glória e honra” [Hb 2.9] e exaltado ao supremo poder, para que diante dele “se dobre todo joelho” [Fp 2.10], e então sujeitará ao Pai não só o próprio título, mas inclusive a coroa de glória e tudo quanto recebeu do Pai, para que “Deus seja tudo em todos” [1Co 15.28]. Pois a que fim lhe foi dado domínio e poder, senão para que, por sua mão, o Pai nos governe? Neste sentido também se diz que “Cristo está assentado à destra do Pai” [Mc 16.19; Rom. 8.34]. Isto, porém, é temporário, cuja duração é até que desfrutemos de direta contemplação da Divindade.
E aqui não se pode justificar o erro dos antigos, os quais, não atentando para a pessoa do Mediador, obscureceram o genuíno sentido de quase todo o ensino que se lê no Evangelho de João, e se enredilharam em muitos laços. Portanto, que esta nos seja a chave da correta compreensão: as coisas que dizem respeito ao ofício de Mediador não se referem exclusivamente à natureza divina, nem à natureza humana. Cristo, portanto, até onde, segundo a medida de nossa fraqueza, nos une ao Pai, reinará até que haja de vir como Juiz do mundo. Quando, porém, como coparticipantes da glória celeste, teremos que ver a Deus tal qual ele é, tendo então desempenhado o ofício de Mediador, deixará Cristo de ser o Embaixador do Pai e ficará contente com aquela glória que possuía antes de o mundo ser criado. Nem em outro respeito compete especificamente à pessoa de Cristo o título Senhor, senão até onde representa ele a intermediação entre Deus e nós. Coadunando com issoesta afirmação de Paulo: “Um Deus, de quem procedem todas as coisas; e um Senhor, por quem todas as coisas subsistem” [1Co 8.6]; isto é, a quem foi conferido pelo Pai um mandato temporário, a durar até que, face a face, lhe seja visível a majestade divina, à qual, ademais, em entregando ele o poder ao Pai, nada se detrairá; ao contrário, será muito mais eminente. Pois então também Deus deixará de ser a Cabeça de Cristo, porque a divindade do próprio Cristo fulgirá por si mesma, quando até esse ponto foi como se estivesse coberta por um véu.

João Calvino