Na verdade Cristo oferece aos seus provas não obscuras
de seu mui presente poder. Mas, de certa forma, visto que seu reino jaz amorfo
na terra sob a humildade da carne, com mui excelente razão é a fé convocada a
ponderar essa presença visível de Cristo que ele haverá de manifestar no dia
supremo. Ora, ele descerá do céu em forma visível, como foi visto subir [At
1.11], e aparecerá a todos com a inefável majestade de seu reino, com o fulgor
da imortalidade, com o imenso poder da Divindade, com uma comitiva de anjos [Mt
24.30; 25.31; 1Ts 4.16]. Portanto, daí se nos prescreve aguardá-lo como nosso
Redentor até aquele dia em que separará os cordeiros dos cabritos, os eleitos
dos réprobos [Mt 25.32, 33]. Tampouco haverá alguém, quer dentre os vivos, quer
dentre os mortos, que escape a seu juízo. Pois, desde os extremos confins do
orbe ouvir-se-á o clangor da trombeta, quando serão todos conclamados ao seu
tribunal, tanto aqueles a quem esse dia apanhará sobreviventes, quanto aqueles
a quem a morte já antes houver arrebatado do consórcio dos vivos. Há quem aqui
tome os termos os vivos e os mortos em sentido diferente. E de fato vemos que
alguns dos antigos hesitaram na exposição desta frase. Mas aquele sentido, uma
vez que é claro e evidente, e desse modo muito mais conveniente ao Credo,
manifesta-se haver sido escrito em forma popular. Nem a isto se contrapõe o que
o Apóstolo afirma: “A todos os homens está determinado morrer uma vez” [Hb
9.27]. Ora, se bem que aqueles que nesta vida mortal tenham de sobreviver ao
Juízo Final não morrerão no modo e curso natural, entretanto essa transformação
que sofrerão, visto que faz as vezes da morte, não é impróprio que tenha esse
nome. Certo é, sem dúvida, que “não haverão todos de dormir, mas todos serão
mudados” [1Co 15.51].
Que quer isso dizer? A vida mortal se lhes extinguirá,
e será tragada “em um momento”, e será transformada numa natureza inteiramente
nova [1Co 15.52]. Ninguém haverá de negar que esta destruição da carne é sua
morte; entretanto, permanece, a todo tempo, verdadeiro que vivos e mortos serão
citados ao Juízo, “porque os mortos que estão em Cristo ressuscitarão primeiro;
em seguida, os que forem remanescentes e sobreviventes serão com eles
arrebatados ao encontro do Senhor no ar” [1Ts 4.16, 17]. E certamete é provável
que este artigo do Credo se derivasse do sermão de Pedro que Lucas menciona [At
10.42] e da solene exortação de Paulo a Timóteo [2Tm 4.1].
João Calvino