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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

NÃO RARO, A FÉ E A ESPERANÇA SÃO EXIBIDAS NA ESCRITURA COMO RECÍPROCAS OU SINÔNIMAS

Em virtude desta conjunção e afinidade, a Escritura não raro funde os termos fé e esperança, ora usando um, ora o outro. Pois, quando Pedro ensina que, “pelo poder de Deus somos guardados pela fé até a revelação da salvação” [1Pe 1.5], ele atribui à fé o que mais se adequava à esperança. Não sem razão, porque já ensinamos que a esperança não é outra coisa senão o alimento e força da fé. Algumas vezes esses termos são unidos lado a lado como nesta mesma Epístola: “De modo que vossa fé e esperança estejam em Deus” [1Pe 1.21]. Paulo, porém, na Epístola aos Filipenses [1.20], deriva da esperança a expectativa, visto que, em esperando pacientemente, suspendemos nossos desejos até que se manifeste a oportunidade de Deus. Tudo o que se pode entender melhor do décimo capitulo da Epístola aos Hebreus, eu já citei. Paulo, em outro lugar [Gl 5.5], ainda que fale com certa inadequação, contudo entende isto mesmo, nestas palavras: “Nós, pelo Espírito da fé, aguardamos a esperança da justiça.” Isto é, abraçando o testemunho do evangelho acerca do amor graciosamente concedido, esperamos até que Deus manifeste abertamente o que agora está oculto sob a esperança. Agora já não é tão difícil ver quão insipidamente se aferra Pedro Lombardo a um duplo fundamento da esperança: a graça de Deus e o mérito das obras. Outro escopo não pode haver para esta senão a fé. Mas, já provamos que a fé, por sua vez, não tem outro alvo senão a misericórdia de Deus, e que nela unicamente há de pôr seus olhos. Vale a pena, porém, auscultar quão vívida razão apresenta Lombardo. “Se alguma coisa”, diz ele, “ousas esperar sem méritos, a isso não deves chamar esperança, mas presunção.” Quem, amigo leitor, merecidamente não execre a tais criaturas bestiais que ousam acusar de temeridade e presunção, se alguém confia que Deus é veraz? Ora, querendo o Senhor que esperemos de sua bondade todas essas coisas, há quem diga ser presunção descansar nela? Tal mestre é digno de tais discípulos como os encontrados nas aloucadas escolas dos rábulas! Nós, porém, quando vemos que pelos oráculos de Deus se ordena aos pecadores que nutram a esperança de salvação, mais de bom grado presumamos de sua verdade que, estribados tão-só em sua misericórdia, posta de parte a confiança nas obras, ousemos esperar com firmeza. Não enganará o mesmo que disse: “Faça-se conforme vossa fé” [Mt 9.29].

João Calvino