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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

ATRIBUTOS PRÓPRIOS DE CADA NATUREZA E SUA INTER-RELAÇÃO NA PESSOA DE CRISTO


Estas coisas não poderiam oferecer segurança, se não encontrássemos a cada passo, nas Escrituras, muitos lugares para provar que nenhuma das coisas que temos dito é de invenção dos homens. O que Cristo dizia de si próprio: “Antes que Abraão nascesse, eu sou” [Jo 8.58], de modo algum podia convir à humanidade. Tampouco me é desconhecido com que falácia os espíritos equivocados depravam esta passagem, isto é, que ele foi anterior a todos os séculos porque já então fora conhecido de antemão como Redentor, tanto no desígnio do Pai, quanto na mente dos piedosos. Mas, visto que de sua essência eterna ele distingue claramente o dia de sua manifestação, e da antigüidade expressamente arroga a si autoridade em que excele a Abraão, não dubiamente a si reivindica o que é próprio da divindade. Que Paulo proclama ser ele “o primogênito de toda a criação” [Cl 1.15], “que já existia antes de todas as coisas e por quem todas as coisas subsistem” [Cl 1.17], que também reivindica ter sido “glorioso junto ao Pai antes que o mundo fosse estabelecido” [Jo 17.5], e que “trabalha juntamente com o Pai” [Jo 5.17], isso de maneira nenhuma compete ao homem. Estas, portanto, e asseverações afins, certamente são atribuídas exclusivamente à divindade. Entretanto, o fato de se chamar o servo do Pai [Is 42.1], de se narrar “haver ele crescido em idade e sabedoria diante de Deus e dos homens” [Lc 2.52], que “não buscava sua própria glória” [Jo 8.50], que “desconhecia o dia final” [Mc 13.32], que “não falava por si mesmo” [Jo 14.10], “nem fazia sua própria vontade” [Jo 6.38], de estar expresso que foi “visto e apalpado” [Lc 24.39; 1Jo 1.1], tudo isso é exclusivamente da humanidade. Ora, na extensão em que é Deus, não pode ser aumentado em qualquer coisa, e tudo faz por amor de si mesmo, nem lhe é desconhecida coisa alguma, tudo faz pelo arbítrio de sua vontade e é invisível e impalpável. Todavia, tampouco estas coisas são prescritas exclusivamente à sua natureza humana; pelo contrário, ele as toma para si, até onde convêm à pessoa do Mediador. Comunicação de idiomas ou propriedades, porém, é o que diz Paulo: “com seu sangue Deus adquiriu para si a Igreja” [Atos 20.28], e “o Senhor da glória foi crucificado” [1Co 2.8]. De igual modo, o que diz João: “apalpamos a Palavra da Vida” [1Jo 1.1]. Com toda certeza Deus não tem sangue, nem sofre, nem pode ser tocado por mãos. Mas, visto que Aquele que era verdadeiro Deus e homem, Cristo, crucifi cado, derramou seu sangue por nós, coisas que se realizaram na natureza humana são impropriamente, contudo não sem razão, transferidas à divindade. Semelhante é o exemplo onde João ensina que Deus deu sua vida por nós [Jo 3.16]. Logo, também aí se comunica com a outra natureza uma propriedade da humanidade. Por outro lado, quando Cristo dizia, ainda em seu labor na terra, que “ninguém havia subido ao céu, a não ser o Filho do homem, que está no céu” [Jo 3.13], certamente, segundo o homem e na carne que havia vestido, não estava então no céu, mas, em vista do fato de que ele mesmo era Deus e homem em função da união da dupla natureza, dava a uma o que era da outra.

João Calvino