Quando, porém, dizemos que pelo mérito de Cristo nos
foi alcançada a graça, entendemos isto: fomos purificados por seu sangue e sua
morte foi uma expiação pelos pecados. “Seu sangue nos purifica do pecado” [1Jo
1.7]. “Este é meu sangue derramado para remissão dos pecados” [Mt 26.28]. Se
este é o efeito de seu sangue derramado, que nossos pecados não nos sejam
imputados, segue-se que, com este preço, fez-se satisfação ao juízo de Deus. Ao
que é pertinente esta afirmação de João Batista: “Eis o cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo” [Jo 1.29]. Ora, ele está contrapondo Cristo a todos os
sacrifícios da lei, de sorte que só nele se ensina estar cumprido o que aquelas
figuras representaram. Sabemos, porém, o que Moisés disse repetidas vezes: a
iniqüidade será expiada, o pecado será apagado e remitido. Afinal, somos
excelentemente ensinados nas velhas figuras qual é a força e eficácia da morte
de Cristo. E, na Epístola aos Hebreus, o Apóstolo explica esta matéria,
assumindo habilmente este princípio, a saber: que “não há remissão de pecados à
parte de derramamento de sangue” [Hb 9.22]. Do que conclui que “Cristo
apareceu, uma vez por todas, para o cancelamento do pecado através de seu
sacrifício” [Hb 9.26]. De igual modo: “Cristo foi imoladopara que levasse os
pecados de muitos” [Hb 9.28]. Dissera, porém, antes que “não mediante sangue de
bodes ou de novilhos, mas através de seu próprio sangue, entrara ele, uma vez
para sempre, nos lugares santos, alcançando assim eterna redenção” [Hb 9.12].
Entretanto, de imediato arrazoa desta maneira: “Se o sangue de uma novilha
santifica, segundo a pureza da carne, muito mais, pelo sangue de Cristo, são
purificadas as consciências de obras mortas” [Hb 9.13, 14]. E assim prontamente
se patenteia que se reduz, demasiadamente, a graça de Cristo, se não concedemos
a seu sacrifício o poder de expiar, de aplacar e de propiciar, como acrescenta
pouco depois: “Este é Mediador de um Novo Testamento, de sorte que, intervinda
a morte para redenção dos delitos precedentes, que persistiam sob a lei,
recebam os que foram chamados a promessa de uma herança eterna” [Hb 9.15].
Entretanto, é conveniente ponderar, especialmente, o símile que é descrito por
Paulo, de que Cristo se fez maldição por nós etc. [G1 3.13]. Ora, foi
supérfluo, tanto quanto absurdo, que Cristo fosse onerado de maldição, a não
ser que, pagando integralmente o que outros deviam, ele assim estava lhes
adquirindo justiça. Claro é também o testemunho de Isaías, de que “o castigo de
nossa paz foi posto sobre ele e por sua pisadura resultou-nos em cura” [Is
53.5]. Pois, a não ser que Cristo fizesse propiciação por nossos pecados, não
se diria ter ele aplacadoa Deus, recebido em si o castigo a que estávamos
sujeitos. A que se conforma o que no mesmo lugar se lê: “Por causa da
transgressão de meu povo, eu o feri” [Is 53.8]. Acrescenta-se também a
interpretação de Pedro, que nada deixa ambíguo: que “no madeiro ele carregou nossos pecados” [1Pe
2.24]. Pois ele está afirmando que foi lançado sobre Cristo o peso da
condenação de que fomos aliviados.
João Calvino