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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A FÉ SE POLARIZA NAS PROMESSAS DE DEUS E É EXPRESSÃO DE SEU AMOR, CUJO CUMPRIMENTO SE ACHA EM CRISTO

Por outro lado, não é sem causa que encerramos em Cristo todas as promessas, quando o Apóstolo inclui no conhecimento dele não só a todo o evangelho, como também ensina, em outro lugar, que tantas quantas são as promessas de Deus, nele estão o sim e o amém [2Co 1.20], isto é, ratificadas. A razão é muito clara. Pois se Deus promete algo, nisso atesta sua benevolência, já que nenhuma promessa sua há que não seja um testemunho de seu amor. Nem vem ao caso o fato de que, enquanto os ímpios se cumulam de ingentes e repetidos benefícios da divina liberalidade, de tanto mais severo juízo se revestem. Ora, uma vez que nem mesmo pensam, nem reconhecem que estas coisas lhes provêm da mão do Senhor, ou, se porventura o reconheçam, entretanto de modo algum em seu íntimo ponderam sua bondade; daí não podem ser ensinados acerca de sua misericórdia mais do que o podem os animais brutos, os quais, na medida de sua condição, recebem o mesmo fruto da divina liberalidade, contudo, não têm consciência dela. Em nada mais impede à posição aqui sustentada o fato de que, em geralmente rejeitando as promessas destinadas a si, com esse ensejo acarretam a si maior vingança. Ora, ainda que a eficácia das promessas, afinal, então se faz patente, quando em nós encontraram fé, entretanto, pela nossa irresponsabilidade ou ingratidão nunca se extinguem sua força e prosperidade. Portanto, quando, em virtude de suas promessas, o Senhor convida o homem não apenas a colher os frutos de sua benignidade, mas também a meditar neles, ao mesmo tempo está a proclamar seu amor para com ele. Por isso é indispensável volver-se a este ponto: que toda e qualquer promessa é um atestado do amor divino para conosco. De fato, está fora de controvérsia que ninguém é amado por Deus à parte de Cristo: é ele o Filho Amado, em quem o amor do Pai habita e repousa; e então dele se difunde a nós, assim como Paulo ensina que temos alcançado graça no Amado [Ef 1.6]. É necessário, pois, que por seu intermédio e intercessão chegue a nós sua graça. Por isso, em outro lugar [Ef 2.14], o Apóstolo o chama nossa paz; em outro [Rm 8.3], apresenta-o como o liame pelo qual Deus é ligado a nós em afeição paterna. Segue-se que devemos volver para ele nossos olhos sempre que nos for oferecida alguma promessa; nem Paulo ensina absurdamente que nele são confirmadas e cumpridas todas as promessas que se acham em Deus [Rm 15.8]. Certos exemplos nos são contrapostos. Ora, é difícil de acreditar que, por exemplo, Naamã, o sírio, viesse a ser doutrinado a respeito do Mediador, quando indagava do Profeta quanto ao modo de cultuar corretamente a Deus. Entretanto, sua piedade é louvada [2Rs 5.1-14; Lc 4.27]. Cornélio, homem gentio e romano, mal pôde apreender o que nem a todos os judeus era conhecido, e na verdade o conheceu de maneira obscura. Todavia, suas esmolas e preces foram agradáveis a Deus [At 10.31]. E os sacrifícios de Naamã foram aprovados, conforme a resposta do Profeta [2Rs 5.17-19], o que nenhum dos dois pôde conseguir senão pela fé. Semelhante é o caso do eunuco a quem Filipe foi conduzido, o qual, a não ser que fosse assistido de certa fé, não teria assumido o labor e as despesas de uma jornada longa e difícil a fim de adorar[At 8.27-29]. Vemos, contudo, como, interrogado por Filipe, ele põe à mostra seu desconhecimento quanto ao Mediador [At 8.31]. E certamente admito que, em certa medida, não só no que respeita à pessoa de Cristo, mas também no que tange a seu poder e a seu ofício imposto pelo Pai, a fé lhes fora apenas implícita. Entrementes, certo é que foram imbuídos de princípios que lhes dariam certo gosto de Cristo, ainda que tênue. Nem deve isto parecer novo, visto que nem o eunuco se teria apressado de uma região longínqua a Jerusalém em busca de um Deus desconhecido; e Cornélio, tendo uma vez abraçado a religião judaica, não passou tanto tempo sem que apreendesse os rudimentos da doutrina verdadeira. Quanto concerne a Naamã, teria sido sobremodo absurdo, quando Eliseu o instruiu acerca de coisas diminutas, haver silenciado quanto ao ponto principal. Portanto, ainda que o conhecimento que tiveram de Cristo fosse obscuro entre eles, contudo, é inadmissível que não tivessem nenhum, já que se exercitavam nos sacrifícios da lei, os quais se diferenciavam dos falsos sacrifícios dos pagãos por seu propósito, isto é, por Jesus Cristo.

João Calvino