Segue-se no Credo: “Foi morto e sepultado”, onde de
novo é preciso ver como, em todos os aspectos, ele se pôs em nosso lugar para
pagar o preço de nossa redenção. A morte nos detinha ajoujados a seu jugo.
Cristo se entregou a seu poder em nosso lugar, para que dele nos livrasse. Isto
o Apóstolo entende quando escreve que “ele provou a morte por todos” [Hb 2.9].
Ora, em morrendo, assegurou ele que não morramos, ou, o que é o mesmo, por sua
morte nos readquiriu a vida. Mas ele teve isto diferente de nós: que se entregou à morte, por
assim dizer, a fim de ser por ela engolido, não, todavia, para que os abismos o
tragassem; antes, pelo contrário, para que tragasse aquela pela qual estávamos
para ser tragados dentro em pouco; deixou que ela o sujeitasse, não para que
lhe fosse sufocado pelo poder; antes, pelo contrário, para que prostasse aquela
que nos ameaçava e já exultava, estando nós prostrados. Enfim, através de sua
morte, destruísse aquele que tinha o poder da morte, isto é, o Diabo, e
libertasse aqueles que, pelo temor da morte, estavam sujeitos à servidão pela
vida inteira [Hb 2.15]. Este é o primeiro fruto que sua morte nos propiciou. O
segundo, porém, consiste em que, por sua participação, a morte de Cristo nos
mortifica os membros terrenos, para que, a seguir, não exerçam suas atividades
próprias; e mata nosso homem velho para que, depois disso, não medre e
frutifique. Seu sepultamento, ademais, conduz a isto, a saber, somos
co-participantes dele, e também nós mesmos sepultados com Cristo para o pecado.
Ora, enquanto o Apóstolo ensina que “fomos enxertados na semelhança da morte de
Cristo” [Rm 6.5] e “fomos com ele sepultados na morte de pecado” [Rm 6.4]; que
“por sua cruz o mundo foi crucificado para nós e nós o fomos para o mundo” [G1
2.19, 20; 6.14]; que “morremos com ele” [Cl 3.3] – não apenas nos exorta a
exibirmos um exemplo de sua morte, mas ainda declara ser-lhe inerente esta
eficácia que deve patentear-se em todos os cristãos, a não ser que queiram
tornar inútil e infrutífera essa própria morte. Portanto, na morte e
sepultamento de Cristo propõe-se duplo benefício a ser por nós desfrutado:
livramento da morte a que fôramos sujeitos, e mortificação de nossa carne.
João Calvino