Que Cristo, de fato, por sua obediência, nos adquiriu
e mereceu graça junto ao Pai, se deduz de muitas passagensda Escritura segura e
solidamente. Ora, isto assumo sem controvérsia: se Cristo fez satisfação por
nossos pecados, se pagou inteiramente a pena a nós devida, se por sua
obediência propiciou a Deus, enfim, se o justo sofreu pelos injustos, por sua
justiça nos foi adquirida a salvação, o que vale tanto quanto a merecê-la. Com
efeito, conforme Paulo o atesta, fomos reconciliados e recebemosreconciliação
mediante sua morte [Rm 5.10, 11]. Mas, não há lugar para reconciliação senão
onde ofensa a tenha precedido. O sentido, portanto, é: Deus, a quem éramos
abomináveis por causa do pecado, foi aplacado pela morte de seu Filho, para que
nos fosse propício. E deve-se diligentemente notar a antítese que segue pouco
depois: “Assim como pela transgressão de um só muitos foram constituídos
pecadores, assim também pela obediência de um único muitos são constituídos justos”
[Rm 5.19]. O sentido, pois, é: Como pelo pecado de Adão fomos alienados de Deus
e destinados à perdição, assim pela obediência de Cristo somos recebidos no
favor de Deus como se fôssemos justos. Tampouco o tempo futuro do verbo exclui
a justiça presente, como aparece do contexto. Pois também antes dissera: “O
ca,risma/ [chárisma – dom gracioso] procede dos muitos delitos para
justificação” [Rm 5.16].
João Calvino