Total de visualizações de página

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O OFÍCIO PROFÉTICO DE CRISTO

PARA QUE SAIBAMOS A QUE PROPÓSITO CRISTO FOI ENVIADO PELO PAI, E QUE ELE NOS FOI CONFERIDO, TRÊS COISAS SE DEVEM NELE TER EM CONSIDERAÇÃO ACIMA DE TUDO: O OFÍCIO PROFÉTICO, A REALEZA E O SACERDÓCIO

Corretamente, pondera Agostinho que, embora os herejes preguem o nome de Cristo, negam, entretanto, ser-lhes ele um fundamento comum com os piedosos; pelo contrário, ele permanece bem próprio da Igreja, porquanto, se diligentemente forem consideradas as coisas que dizem respeito a Cristo, este se acha entre eles somente em nome, não de fato. Assim, hoje os papistas, embora na boca lhes ressoe a expressão: “Cristo, o Filho de Deus, o Redentor do mundo”, não obstante, uma vez que, contentes com o fútil pretexto do nome, o desnudam de seu poder e dignidade; a afirmação de Paulo se lhes aplica realmente: “Eles não retêm a cabeça” [Cl 2.19]. Portanto, para que em Cristo a fé ache sólida matéria de salvação, e assim nele descanse, deve estatuir-se este princípio, a saber: que o ofício que lhe foi outorgado pelo Pai consta de três partes. Ora, ele foi dado não apenas como Profeta, mas também como Rei, e ainda como Sacerdote, se bem que de pouco proveito fosse conhecer estes nomes, se não lhes fosse acrescentado o conhecimento do propósito e da aplicação. Porque também os papistas os têm na boca, porém friamente e com bem pouco proveito, pois nem mesmo entendem, nem sabem, o que contém em si cada um deles. Já dissemos anteriormente que, embora enviando os profetas uns após os outros, numa série contínua, Deus não nunca desproveu o povo de ensino proveitoso e que fosse suficiente para a salvação; entretanto, desta convicção foram sempre imbuídas as mentes dos piedosos, ou, seja: que finalmente se deveria esperar a plena luz do entendimento com a vinda do Messias. E, na verdade, a expectação deste fato havia chegado até mesmo aos samaritanos, aos quais, entretanto, nunca se fizera conhecida a verdadeira religião, o que se evidencia desta palavra da mulher: “Quando o Messias vier, ele nos ensinará todas as coisas” [Jo 4.25]. Aliás, os judeus nem mesmo às cegas haviam presumido isso na mente; pelo contrário, assim criam por que haviam sido ensinados por oráculos explícitos. Destacada entre outras é a declaração de Isaías: “Eis que o pus por testemunha aos povos, eu o dei por guia e mestre aos povos” [Is 55.4]; na verdade, no mesmo teor, já em outro lugar [Is 9.6] o havia chamado o “mensageiro ou intérprete do grande conselho”. Por esta razão, enaltecendo a perfeição da doutrina do evangelho, onde disse “haver Deus outrora falado pelos profetas, de diversas maneiras e sob muitas figuras” [Hb 1.1], o Apóstolo adiciona: “nestes últimos tempos ele nos falou por intermédio do Filho amado” [Hb 1.2]. Contudo, visto que foi tarefa comum aos profetas manter a Igreja em expectação, e ao mesmo tempo sustê-la até a vinda do Mediador, por isso lemos que os fiéis se queixavam, em sua dispersão, de estar privados desse benefício costumeiro: “Não vemos nossos sinais; não há profeta entre nós; não há quem conheça mais a fundo” [Sl 74.9]. Mas, de fato, quando Cristo já não estava longe, foi apontado a Daniel o tempo “para selar a visão e a profecia” [Dn 9.24), não somente para que a autoridade do vaticínio se evidenciasse segura do que ali se trata, mas também para que os fiéis ficassem de ânimo tranqüilo, sem profetas por um tempo, uma vez que estaria iminente a plenitude e conclusão de todas as revelações.

João Calvino