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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O SIGNIFICADO SOTERIOLÓGICO DA RESSURREIÇÃO DE CRISTO


Segue-se a ressurreição dentre os mortos, sem a qual estaria incompleto o que temos dito até aqui. Ora, uma vez que na cruz, morte e sepultamento de Cristo nada revelam senão fraqueza, todas estas coisas têm de ser ultrapassadas pela fé para que se revista ela de pleno vigor. E assim, embora tenhamos em sua morte a firme consumação de nossa salvação, visto que, através dela, não só fomos reconciliados com Deus, mas também ele fez satisfação ao justo juízo, e removida foi a maldição e totalmente paga a pena, somos, no entanto, declarados regenerados para uma viva esperança, não mediante sua morte, mas através de sua ressurreição [1Pe 1.3]; porque, como ele, ao ressurgir, se enalteceu como vencedor da morte, assim a vitória de nossa fé afinal se assenta em sua própria ressurreição. De que natureza seja isto, melhor se exprime nas palavras de Paulo, pois diz que ele morreu por causa de nossos pecados e ressuscitou por causa de nossa justificação [Rm 4.25], como se estivesse a dizer que o pecado foi removido por sua morte, a justiça restaurada e restabelecida por sua ressurreição. Ora, como, em morrendo, nos podia ele livrar da morte, se ele próprio à morte fosse sucumbido? Como nos haveria adquirido a vitória, se houvesse fracassado na luta? Pelo que, assim dividimos a matéria de nossa salvação entre a morte e a ressurreição de Cristo, que, mediante aquela, o pecado foi aniquilado e extinta, a morte; através desta a justiça foi restaurada e a vida, restabelecida; por isso aquela exibe sua força e eficácia para conosco em virtude desta. Assim sendo, Paulo assevera que ele “foi declarado o Filho de Deus na própria ressurreição” [Rm 1.4], porque então, finalmente, externou seu poder celeste, que é não só o claro espelho de sua divindade, mas também o firme sustentáculo de nossa fé, assim como ensina ainda em outro lugar “ter ele sofrido em razão da fraqueza da carne, mas ressuscitado pelo poder do Espírito” [2Co 13.4]. No mesmo sentido, em outro lugar, discorrendo acerca da perfeição: “Para que conheça a ele e ao poder de sua ressurreição” [Fp 3.10]. Contudo, acrescenta imediatamente em seguida “a comunhão com sua morte”. Com que está de perfeito acordo esta afirmação de Pedro: “Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu glória, para que nossa fé e esperança estivessem em Deus” [1Pe 1.21]. Não que nos vacile a fé, visto que persiste apoiada na morte de Cristo; ao contrário, que o poder de Deus, em virtude do qual nos guarda sob a fé, se patenteia sobretudo na própria ressurreição. Lembremo-nos, portanto, de que quantas vezes se faz menção apenas de sua morte, compreende-se, ao mesmo tempo, o que é próprio da ressurreição. Também, igual sinédoque há no termo ressurreição, sempre que se emprega separadamente de sua morte, de sorte que em si inclua o que diz respeito particularmente à sua morte. Mas, uma vez que, em ressurgindo, Cristo conquistou a palma da vitória, de modo que se fizesse nossa ressurreição e nossa vida, com razão contende Paulo que “abolida é a fé e ineficaz e falaz o evangelho, a não ser que no coração nos seja gravada a ressurreição de Cristo” [1Co 15.17]. Por isso, em outro lugar, após haver se gloriado na morte de Cristo contra os terrores da condenação, para acentuá-lo ainda mais, Paulo acrescenta: “Ora, o mesmo que morreu, ressuscitou e aparece agora perante Deus por nós, como nosso Mediador” [Rm 8.34]. Ademais, como antes expusemos, que a mortificação de nossa carne depende da comunhão da cruz de Cristo, assim importa-nos também entender que obtemos nós um outro fruto correspondente de sua ressurreição. Pois, por isso diz o Apóstolo: “Fomos enxertados na semelhança de sua morte, para que, compartilhando de sua ressurreição, andemos em novidade de vida” [Rm 6.4, 5]. Dessa forma, como em outro lugar diz que morremos juntamente com Cristo, ele deduz o argumento de que devemos mortificar os membros sobre a terra, assim também, porque ressuscitamos com Cristo, disto infere que devemos buscar as coisas que estão acima, não as que estão sobre a terra [Cl 3.1-5]. Com estas palavras somos não apenas convidados pelo exemplo do Cristo ressurreto a buscar diligentemente novidade de vida, mas somos também ensinados que, por seu poder, ocorre que somos regenerados para a justiça. Um terceiro fruto conseguimos ainda dela, a saber: que, visto que recebemos um penhor, somos feitos seguros acerca de nossa própria ressurreição, da qual aquela se mostra ser mui sólido fundamento, matéria essa a respeito da qualPaulo discute mais extensamente na Primeira Epístola aos Coríntios capítulo 15. Entretanto, precisa-se notar, de passagem, que se diz ter ele ressurgido dentre os mortos, expressão pela qualse exprime a veracidade tanto de sua morte, quanto de sua ressurreição, como se estivesse sendo dito que não só arrostou com a mesma espécie de morte de que morrem naturalmente os demais homens, mas também recebera a imortalidade na mesma carne que assumira como mortal.


João Calvino