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domingo, 19 de agosto de 2018

VÁRIAS E DISTINTAS ACEPÇÕES DO TERMO FÉ NAS ESCRITURAS

Além disso, importa ter-se em conta o significado ambíguo do termo, pois freqüentemente fé equivale à sã doutrina da piedade, como nesta passagem que citamos há pouco e na mesma Epístola onde Paulo quer que os diáconos mantenham “o mistério da fé em uma consciência pura” [1Tm 3.9]. De igual modo, ondedenuncia a apostasia de alguns[1Tm 4.1]. Mas, por outro lado, diz que Timóteo havia sido “alimentado com as palavras da fé” [1Tm 4.6]. Também, onde diz que “os clamores fúteis e profanos, e às oposições da falsamente chamada ciência”, são a causa por que muitos se desviem da fé [1Tm 6.20, 21], aos quais em outro lugar chama réprobos quanto à fé [2Tm 3.8]. Assim, de novo, onde preceitua a Tito: “Admoesta-os a que sejam sãos na fé” [Tt 1.13], querendo significar com este termo sanidade simplesmente a pureza da doutrina que facilmente se corrompe e degenera pela volubilidade dos homens. Isto é, “Em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” [Cl 2.3], a quem se possui pela fé, com razão este termo fé se estende à suma de toda a doutrina celestial da qual ela não pode separar-se. Em contraposição, por vezes o termo fé se restringe a algum objeto particular como quando diz Mateus [9.2] que Cristo viu fé naqueles que fizeram descer o paralítico por entre as telhas, e ele próprio exclama que não achara tão grande fé em Israel, como a demonstrada pelo centurião [Mt 8.10]. Com efeito, é provável que estivera ele inteiramente voltado para a cura do filho, cujo cuidado ocupara toda sua mente, mas, porque se contenta só com a resposta de Cristo, não exige sua presença corporal; por causa desta circunstância sua fé é tão sublimemente louvada. E, pouco antes, ensinamos que Paulo toma o termo fé para designar o dom de milagres [1Co 13.2], dom que possuem até os que nem foram regenerados pelo Espírito de Deus, nem seriamente o cultuam. Em outro lugar, também usa o termo fé como designando a doutrina pela qual somos instruídos na fé. Ora, quando escreve que a fé haverá de cessar [1Co 13.10], não há dúvida de que isso se refere ao ministério da Igreja, que é hoje valioso à nossa fraqueza. Nestas formas de expressão certamente evidencia-se uma analogia. Quando, porém, impropriamente se transfere o termo fé a uma falsa profissão ou a um título fictício, ele não deve parecer mais duro e estranho a kata,crhsij [katáchr@sis – uso inapropriado] do que onde a expressão se aplica ao temor de Deus como designativo de um culto vicioso e pervertido, como quando freqüentemente se diz na História Sagrada que os povos estrangeiros que tinham sido trasladados a Samaria e lugares vizinhos tinham temido os deuses fictícios e o Deus de Israel [2Rs 17.24-41], o que vale tanto quanto misturar o céu à terra. Mas, agora indagamos em que consiste a fé que distingue os incrédulos dos filhos de Deus, pela qual invocamos a Deus por Pai, pela qual passamos da morte para a vida e pela qual Cristo, nossa eterna salvação e nossa vida, habita em nós. A esse respeito, parece-me que expus breve e claramente sua natureza e propriedade.

João Calvino