A todos estes testemunhos interpretam
cavilosamente os mais sutis, insistindo em que nada impede que nós próprios
apliquemos nossas forças e Deus traga ajuda a nossas fracas tentativas.
Adicionam, ademais, passagens dos profetas em que a operação de nossa conversão
parece ser dividida meio a meio entre Deus e nós: “Convertei-vos a mim e eu me
converterei a vós” [Zc 1.3]. Que tipo de ajuda nos traga o Senhor foi
demonstrado supra, tampouco aqui se faz necessário repeti-lo. Desejo ao menos
que isso me seja concedido: em vão se procura em nós a capacidade de cumprir a
lei pelo fato de que o Senhor no-la ordena à obediência, quando é evidente que,
para se cumprir todos os preceitos de Deus, a graça do Legislador não só é necessária, mas ainda
nos é prometida, pelo que daí se evidencia que, no mínimo, se exige de nós mais
do que sejamos capazes de executar. Na verdade, não se pode diluir de quaisquer
cavilações essa afirmação de Jeremias: que foi sem efeito o pacto de Deus
firmado com o povo antigo, porque o era apenas da letra; nem ser além disso
estabelecido de outra maneira, que é o Espírito quem plasma os corações à
obediência [Jr 31.32]. Também de nada lhes serve para firmar seu erro esta
injunção: “Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós” [Zc 1.3]. Pois aí por
conversão de Deus se denota não aquela em virtude da qual o coração nos renova
para o arrependimento, mas aquela mediante a qual se atesta benévolo e propício
pela prosperidade das coisas, assim como pelas coisas adversas às vezes indica
seu desagrado. Portanto, uma vez que o povo, atormentado de muitas formas, de
misérias e calamidades, se queixava de que Deus se afastara dele, responde que
não lhes haveria de faltar sua benignidade, se volvessem à retidão de vida e a
ele próprio, que é modelo de justiça. Esta passagem, pois, é indevidamente
torcida quando é arrastada a este ponto: que a obra da conversão parece estar
repartida entre Deus e os homens. Por isso, temos abordado estes tópicos mais
sumariamente, porque o lugar deste assunto será mais propriamente na parte em
que se procederá à consideração da lei.
João
Calvino