Quando mediante o ensino da lei
tenhamos aproveitado até este ponto, então, para ensinar a mesma convém que
desçamos até nosso próprio íntimo, donde, finalmente, infiramos duas coisas.
Primeiro, comparando a justiça da lei com nossa vida, verifiquemos estar longe
obedecermos à vontade de Deus, e por isso sermos indignos de reter nosso lugar
entre suas criaturas, muito menos de sermos contados entre seus filhos.
Segundo, considerando nossas forças, verifiquemos que não apenas são elas
insuficientes para se cumprir a lei, mas até de todo inexistentes. Disto se
segue, necessariamente, quer a desconfiança da virtude própria, quer a
ansiedade e vacilação de espírito. Pois, nem pode a consciência suster o peso
da iniqüidade sem que logo se lhe anteponha o juízo de Deus. Não se pode,
porém, sentir o juízo de Deus sem que suscite ele o horror da morte. De modo
semelhante, compelida pelas provas de sua carência de poder, não pode a
consciência deixar de cair imediatamente no desespero de suas forças. Um e
outro sentimento geram humildade e depreciação própria, de sorte que, ao fim,
acontece que o homem, completamente aterrorizado pelo senso da morte eterna, a
qual vê a ameaçá-lo como castigo de sua carência de retidão, se volve
exclusivamente à misericórdia de Deus como ao único porto de salvação, e assim,
sentindo que não é de sua capacidade saldar o que deve à lei, tomado de
desespero em seu íntimo, cobre alento para buscar e esperar socorro de outra
parte.
João
Calvino