Entretanto, por que Deus assim deu a
entender que quisesse, como que por meios mandamentos, através de sinédoque,
mais do que tê-lo expressado em termos claros, embora também outras razões
costumem apresentar-se, esta me agrada sobremaneira: visto que a carne sempre
diligencia por diluir e revestir de ilusórios pretextos a fealdade do pecado,
salvo onde ela é palpável, Deus propôs à guisa de exemplo o que era mais
abominável e mais execrando em cada gênero de transgressão, ao ouvirmos o que
também enchesse de temor nossa sensibilidade, a fim de que à alma nosimprimisse
maior repulsa de todo e qualquer pecado. Isto se nos aplica mais freqüentemente
ao estimarmos nossas falhas, pois, se são mais ocultas, as minimizamos. A estes
embustes o Senhor dissipa, quando costuma aplicar toda a massa de transgressões
a estes cabeçalhos que melhor representam quanto há de abominação em cada
gênero de transgressão. Por exemplo, quando são referidos por seus meros
designativos, a ira e o ódio não são julgados males especialmente execrandos.
Quando, porém, se nos proíbem sob o nome de homicídio, entendemos melhor em
quão grande abominação incorrem diante de Deus, de cuja palavra são relegados à
categoria de tão horrenda ignomínia. E nós próprios, movidos por seu juízo,
costumamos pesar melhor a gravidade dos delitos que antes nos pareciam leves.
João
Calvino