Dessa forma, o que aqui detrai aos
homens, só a Deus, em oração, atribui em outro lugar: “O Deus”, diz ele, “e Pai
da glória vos dê o Espírito de sabedoria e de revelação” [Ef 1.17]. Ouves já
nessas palavras que toda sabedoria e revelação é dom de Deus. Então, o que diz
ele em seguida a isso? “Iluminados os olhos de vossa mente” [Ef 1.181].
Certamente, se carecem de nova revelação, é que por si mesmos são cegos.
Segue-se, então: “Para que saibais qual seja a esperança de vossa vocação” [Ef
1.18], etc. Logo, confessa que as mentes dos homens não são capazes de tão
grande entendimento, ao ponto de conhecerem sua vocação. Nem vocifere aqui
algum pelagiano, dizendo que Deus assiste a esta falta de agudeza ou carência de
entendimento, dirigindo, mediante o ensino de sua Palavra, o intelecto do homem
até este ponto ao qual ele não podia atingir sem um guia. Ora, Davi tinha a
lei, na qual estava compreendido tudo quanto de sabedoria se pode desejar. No
entanto, não contente com isso, pede que lhe sejam desvendados os olhos para
que pudesse contemplar os mistérios de sua lei [Sl 119.18]. Com esta maneira de
falar, certamente dá a entender que a Palavra de Deus, quando ilumina os
homens, é como o sol que do alto ilumina a terra;48 mas, de fato, eles daí não
conseguem muito, até que Aquele mesmo que, por isso, se chama o Pai das luzes
[Tg 1.17], ou lhes dará olhos, ou lhos haverá de abrir, porquanto onde quer que
ele não brilhe por meio de seu Espírito, todas as coisas são envolvidas pelas
trevas. De igual modo, também os apóstolos foram adequada e plenamente
ensinados certamente pelo melhor dos mestres. Contudo, a não ser que
necessitassem do Espírito da verdade, que a mente lhes instruísse nesta própria
doutrina que antes ouviram, não receberiam ordensde esperar por ele [Jo 14.26;
At 1.4]. Se o que buscamos de Deus, confessamos assim faltar-nos, e ele próprio
acusa nossa indigência naquilo que promete, que ninguém vacile em confessar que
só será capaz de entender os mistérios de Deus quando tiver sido iluminado por
sua graça. Quem mais entendimento se atribui, tanto mais cego e menos reconhece
sua cegueira.
João
Calvino