Total de visualizações de página

domingo, 22 de julho de 2018

A FUNÇÃO ILUMINADORA DA LEI NA VIDA DOS PRÓPRIOS REGENERADOS


O terceiro uso, que não só é o principal, mas ainda contempla mais de perto ao próprio fim da lei, tem lugar em relação aos fiéis, em cujo coração já vigora e reina o Espírito de Deus. Pois ainda que têm a lei escrita e gravada pelo dedo de Deus no coração [Jr 31.33; Hb l0.16], isto é, têm sido afetados e animados pela direção do Espírito a tal ponto que desejem obedecer a Deus, contudo têm ainda duplo proveito na lei. Pois a lei lhe é o melhor instrumento mediante o qual melhor aprendam cada dia, e com certeza maior, qual é a vontade de Deus, a que aspiram, e se lhe firmem na compreensão. É como se um serviçal qualquer já esteja de tal modo preparado, com todo o empenho do coração, para que seja aprovado por seu patrão, contudo tem necessidade de investigar e observar mais acuradamente os costumes do patrão aos quais se ajuste e acomode. Não que desta necessidade se exime qualquer de nós, pois que ninguém até agora penetrou tanto a sabedoria que não possa da instrução diária da lei fazer novos progressos no conhecimento mais puro da vontade divina. Em segundo lugar, visto que necessitamos não só de ensinamento, mas ainda de exortação, o servo de Deus tirará ainda esta utilidade da lei para que, mediante sua freqüente meditação, seja incitado à obediência, nela seja consolidado e seja impedido de transgredir neste caminho escorregadio. Pois nesta disposição convém que os santos persistam para que, por grande que seja o ânimo com que, segundo o Espírito, se empenham para com a justiça de Deus, entretanto são sempre onerados pela inércia da carne para que não prossigam com a devida prontidão. A esta carne a lei é um chicote no uso do qual, como no caso de um asno estacado e lerdo, sejam estimulados à ação. Até mesmo ao homem espiritual, visto que ainda não foi desvencilhado do fardo da carne, a lei lhe será um acicate constante a não permitir que fique ele inerte. Sem dúvida, Davi atentava para este uso quando celebrava a lei com esses insignes encômios: “A lei do Senhor é imaculada, convertendo almas; as justiças do Senhor são retas, alegrando corações; o preceito do Senhor é luminoso, iluminando os olhos” etc. [Sl 19.8, 9]. Ainda: “Lâmpada para meus pés é tua palavra e luz para minhas veredas” [Sl 119.105]; e as inúmeras outras declarações que seguem em todo esse Salmo. Com efeito, tampouco estas contradizem as declarações paulinas nas quais se mostra não que uso a lei presta aos regenerados, mas, em contrário, o que pode ela de si mesma conferir ao homem. Aqui, porém, o Profeta canta com quão grande utilidade o Senhor instrui pela leitura de sua lei àqueles a quem inspira interiormente a prontidão de obedecer. E não faz apenas menção dos preceitos; pelo contrário, também da promessa da graça que acompanha as coisas, a qual faz com que o que é amargo se torne doce. Pois, o que é menos aprazível que a lei, se, simplesmente importunando e ameaçando, perturbe as almas pelo medo e as angustie pelo pavor? Davi, porém, mostra especialmente que na lei ele havia apreendido ao Mediador, sem o qual não há nenhum desfruto ou doçura.

João Calvino