Com efeito, é evidente que as coisas
que são ditas por Paulo acerca da abolição da leinão dizem respeito ao ensino
propriamente dito; pelo contrário, apenas ao poder de constringir a
consciência. Pois a lei não apenas ensina, como também exige imperiosamente o
que ordena. Se não é obedecida, aliás, se deixa de ser aplicada em qualquer
ponto, ela despede o raio da maldição. Por esta razão, diz o Apóstolo [G1 3.10]
que estão sujeitos à maldição todos quantos são das obras da lei, porquanto foi
escrito: “Maldito todo aquele que não cumpre todas as coisas prescritas na lei”
[Dt 27.26]. E diz que todos quantos estão debaixo da lei não fundamentam sua
justiça e no perdão dos pecados, pelo qual ficamos livres do rigor da mesma.
Portanto, Paulo ensina que devemos tudo fazer para nos desvencilharmos dos
grilhões da lei, se não queremos perecer miseravelmente sob eles. Mas, de que
grilhões? Dos grilhões daquela austera e hostil exação que nada remite do
supremo direito, nem deixa impune qualquer transgressão. Para redimir-nos desta
maldição, digo-o, Cristo se fez maldição por nós. Pois, está escrito: “Maldito
todo aquele que é pendurado em um madeiro” [G1 3.13; Dt 21.23]. No capítulo
seguinte, é verdade, ensina que Cristo se sujeitou à lei [Gl 4.4], para que
redimisse aqueles que estavam debaixo da lei [G1 4.5], porém com o mesmo
sentido, pois acrescenta, em seguida: “Para que por adoção recebêssemos o
direito de filhos” [G1 4.5]. Por quê?Para que não fôssemos oprimidos por
perpétua servidão que mantivesse nossa consciência angustiada pela ansiedade da
morte. Entretanto, isto permanece sempre incontestável: nada se deve detrair da
autoridade da lei, e que ela deve ser sempre tomada por nós com a mesma
veneração e obediência.
João
Calvino