É-nos, porém, de importância conhecer
sucintamente como, ensinados pela lei moral, nos tornamos mais inescusáveis,
para que a condição de culpados nos incite a buscar o perdão. Se é verdadeiro
que na lei se nos ensina a perfeição da justiça, também isto se deduz: sua
absoluta observância é a perfeita justiça diante de Deus, mercê da qual,
naturalmente, o homem é julgado e considerado justo perante o tribunal celeste.
Por cuja razão, promulgada a lei, Moisés não hesita em invocar por testemunhas
ao céu e à terra de que havia posto diante de Israel a vida e a morte, o bem e
o mal [Dt 30.l9]. Nem há de contraditar-se que à justa obediência da lei esteja
reservada a recompensa da salvação eterna, como foi prometida pelo Senhor. Por
outro lado, entretanto, é-nos de relevância reconhecer se porventura prestamos
essa obediência a cujo mérito se deva atribuir a confiança de alcançar essa
recompensa. Porque, de que nos serviria saber que o prêmio da vida eterna
consiste em guardar a lei, se não sabemos também que por este meio podemos alcançar
a vida eterna? Neste ponto, com efeito, faz-se patente a fraqueza da lei,
porquanto, uma vez que essa observância da lei em nenhum de nós se depreende,
excluídos das promessas da vida, só nos resta a maldição. Refiro-me não apenas
ao que acontece, mas ainda ao que deve necessariamente acontecer, pois, se bem que
o ensino da lei esteja muito acima da capacidade humana, o homem pode, sem
dúvida, contemplar de longe as promessas apostas, sem contudo delas colher
fruto algum. Portanto, resta isto somente: que da excelência destas promessas
melhor estime o homem sua própria miséria, enquanto, cortada a esperança da
salvação, reconhece ameaçá-lo, inexoravelmente, a morte. De outro lado, pendem
horríficas sanções, às quais enredilhados, nos constringem não a poucos de nós,
mas a todos, um por um; pendem sobre nós, repito-o, e nos acossam com
inexorável aspereza, de sorte que na lei descortinamos mui presente a morte.
João
Calvino