Aqui lembrem-se os leitores de que a
faculdade do arbítrio humano não se deve estimar em função da eventuação das
coisas, o que contrariamente costumam fazer certos indivíduos superficiais.
Pois lhes parecem que podem provar com toda facilidade que a vontade do homem
se acha cativa, pelo fato de que nem mesmo aos mais altos príncipes e monarcas
do mundo as coisas sucedam como querem. Com efeito, esta faculdade de que
estamos falando deve ser considerada dentro do homem, e não medida por
eventuação externa. Pois, na discussão do livre-arbítrio, não se está a indagar
se porventura se permite ao homem, por entre os ofícios externos, executar e
consumar tudo quanto haja determinado na mente, mas se, em qualquer coisa que
seja, tenha livre tanto a escolha do juízo quanto a inclinação da vontade, o
que, se ambas assistem aos homens, de não menos livre-arbítrio será Atílio
Régulo, confinado na estreiteza de um tonel crivado de pregos, que Augusto
César a governar, de seu arbítrio, a grande parte do orbe terrestre.
João
Calvino