Apresentam o que pode parecer ter sido
tomado de Crisóstomo: se, porém, esta não é uma faculdade de nossa vontade,
escolher o bem ou o mal, ou ser participantes da mesma natureza, têm de ser
todos maus, ou todos bons. Nem se distancia muito disto, quem quer que seja o
autor da obra A Vocação dos Gentios, a qual circula sob o nome de Ambrósio,
quando arrazoa que ninguém jamais se teria afastado da fé, a não ser que a
graça de Deus nos tivesse deixado a condição de mutabilidade, no que é de
admirar se a si mesmos tivessem enganado tão eminentes varões. Pois, como é
possível que a Crisóstomo não viesse à mente que é a eleição de Deus que assim
diferencia entre os homens? Nós, sem dúvida, de modo algum nos arreceamos de
conceder o que Paulo assevera com grande renitência, a saber, todos são
igualmente depravados e entregues à iniqüidade; com ele, porém, acrescentamos
que é pela misericórdia de Deus que acontece de não permanecerem todos na
depravação. Portanto, ainda que, por na tureza, todos laboremos em igual
enfermidade, só recobram saúde aqueles a quem aprouve ao Senhor aplicar a mão
curadora. Os outros, a quem, em seu justo juízo, pretere, definham em sua
podridão até de todo consumir-se. Nem é de outra parte que uns perseveram até o
fim, outros tombam, apenas iniciada a corrida. Com efeito, também a própria
perseverança é dom de Deus, dom que não prodigaliza a todos
indiscriminadamente; ao contrário, confere a quem bem lhe parece. Se se procura
a causa da diferença, por que uns perseveram constantes, outros por
instabilidade desfalecem, não nos é mostrada nenhuma outra causa senão que àqueles,
firmados por seu poder, o Senhor os sustenta para que não pereçam; a estes não
lhes ministra o mesmo poder, para que sejam exemplos de inconstância.
João
Calvino