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quarta-feira, 18 de julho de 2018

A LEI CONSISTE DE PRECEITOS E PROMESSAS; ESTAS INCULCAM A OPERAÇÃO DA GRAÇA


Por certo que, se a Escritura não ensinasse outra coisa senão ser a lei a regra da vida, a que devamos conformar nossos esforços, eu também, sem delonga, de bom grado anuiria à sua opinião. Quando, porém, ela nos expõe, diligente e perspicuamente, o múltiplo uso da lei, à luz dessa exposição convém antes considerar o que a lei pode no homem. No diz respeito à presente questão, assim que nos prescreveu que se deva fazer, ela ensina que o poder de obedecer procede da bondade de Deus, e por isso nos convida às preces, mediante as quais imploremos que nos seja dado esse poder. Se apenas o preceito nos fosse proposto, sem nenhuma promessa, teríamos que provar nossas forças, se porventura seriam suficientes para responder ao preceito. Quan do, porém, ao mesmo tempo, se lhes associam promessas, as quais proclamam que não só necessitamos do auxílio da graça divina, mas ainda de todo poder, as mesmas comprovam mais que suficientemente que somos de todo inaptos, para não dizer incapazes, para observar a lei. Por isso, que não mais se insista nesta adequação de nossas forças aos preceitos da lei, como se à tacanha medida de nossa fraqueza tivesse o Senhor acomodado a regra de justiça que na lei haveria de dar. Antes, consideremos, à luz das promessas, até que ponto chega nossa incapacidade, pois em tudo temos demsasiada necessidade da graça de Deus. Mas, dizem eles, a quem se fará verossímil que o Senhor tenha promulgado a lei a troncos e a pedra? Respondo que ninguém está empenhado em persuadir disto. Ora, os ímpios não são rochedos ou lenhos quando ensinados pela lei que suas concupiscências antagonizam a Deus, por seu próprio testemunho se fazem réus; ou os piedosos, quando advertidos de sua incapacidade, se refugiam na graça. A que são pertinentes estas solenes afirmações de Agostinho: “Deus ordena o que não podemos, para que saibamos o que devamos dele suplicar.” “Grande é a utilidade dos preceitos, se tanto se conceda ao livre-arbítrio que mais profusamente honrada seja a graça de Deus.” “A fé impetra o que a lei ordena – de fato, a lei ordena por isso, para que a fé impetre o que fora ordenado mediante a lei; na verdade, Deus de nós requer a própria fé, e não acha o que requer, a menos que tenha dado o que acha.” Ainda: “Deus dá o que ordena e então ordena o que quer.”

João Calvino