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quinta-feira, 19 de julho de 2018

CRISTO, O REAL CUMPRIMENTO DA LEI, QUE A ELE CONDUZ


E aqui deve-se notar, de passagem, que o reino que foi, afinal, estabelecido na família de Davi é parte da lei e está contido sob a ministração de Moisés. Donde se segue que, tanto em toda a linhagem levítica, quanto nos pósteros de Davi, Cristo fora posto diante dos olhos do povo antigo como que diante de um duplo espelho. Pois, como disse há pouco, não podiam de outra maneira ser ou reis ou sacerdotes diante de Deus aqueles que não só eram escravos do pecado e da morte, mas ainda manchados de sua própria corrupção. Daqui se patenteia ser mui verdadeira a afirmação de Paulo, de que os judeus foram mantidos como que sob a custódia de um “pedagogo” até que viesse a semente a cujo favor a promessa fora dada [G1 3.24]. Ora, uma vez que Cristo ainda não se dera a conhecer intimamente, foram eles semelhantes a crianças, cuja insuficiência não podia ainda suportar o pleno conhecimento das coisas celestes. Como, porém, foram conduzidos pela mão a Cristo por meio das cerimônias, antes se disse e melhor se pode compreender dos muitos testemunhos dos profetas. Ora, ainda que, para propiciar a Deus, necessário lhes foi achegar-se diariamente com novos sacrifícios, contudo Isaías [53.5] promete de virem a ser expiadas todas as transgressões com um único sacrifício, ao que Daniel [9.26-27] concorda. Adentravam ao santuário os sacerdotes designados da tribo de Levi. Mas, do sacerdote único foi dito que foi uma vez divinamente escolhido com juramento, o qual seria sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque [Sl 110.4; Hb 5.6; 7.21]. Havia, então, uma unção visível de óleo; haveria de vir uma outra e diferente unção, o que Daniel sentencia de uma visão. E, para não insistir com mais referências, o autor da Epístola aos Hebreus demonstra bastante prolixa e claramente, do quarto ao undécimo capítulos, que as cerimônias para nada servem e são fúteis até que tenha chegado a vinda de Cristo. No que, porém, diz respeito aos Dez Mandamentos, deve-se sustentar, de igual modo, a postulação de Paulo: “Cristo é o fim da lei para salvação de todo o que crê” [Rm 10.4]; e outra: “Cristo é o Espírito que vivifica a letra, em si mortífera” [2Co 3.6, 17]. Ora, na primeira destas postulações significa certamente que em vão é ensinada a justiça pelos mandamentos até que Cristo a confira, tanto por graciosa imputação, quanto pelo Espírito de regeneração. Pelo que, com justiça, Paulo chama a Cristo o cumprimento ou fim da lei, porquanto de nada valeria sabermos o que Deus exige de nós, se aos que se esforçam e estão oprimidos sob seu jugo e fardo intolerável Cristo não os socorresse. Em outro lugar [Gl 3.19], ensina ter sido a lei promulgada por causa das transgressões, isto é, para que humilhasse os homens, dela convencidos de sua condenação. Ademais, porque esta é a verdadeira e exclusiva preparação para buscar-se a Cristo, todas e quaisquer noções que, em diferentes termos, transmite, harmonizamse muito bem entre si. Porque, visto que sua controvérsia foi com mestres pervertidos, que fantasiavam, das obras da lei, que merecemos a justiça, para lhes refutar o erro, Paulo foi obrigado, por vezes, a tomar em sentido estrito a mera palavra lei que, no entanto, foi, por outro lado, vestida do pacto da adoção gratuita.

João Calvino