Portanto, se atentamos somente para a
lei, não podemos fazer outra coisa que perdermos o ânimo, ficarmos confusos e
cairmos no desespero, uma vez que à base da lei somos todos condenados e
amaldiçoados [G1 3.10], mantidos ao longe da bem-aventurança que propõe a seus
cultores. Dirás, portanto, que assim está o Senhor a zombar de nós? Ora, quão
pouco dista de zombaria o exibir a esperança de felicidade, para ela convidar e
exortar, atestá-la a nós exposta, quando, a todo tempo, fechado e inacessível
lhe seja o ingresso? Respondo: Se bem que, até onde são condicionais, as
promessas da lei dependem da perfeita obediência da lei, obediência que em
parte alguma se achará, contudo não foram dadas em vão. Pois, quando tivermos
aprendido que elas nos haverão de ser fúteis e ineficazes, salvo se, de sua
graciosa bondade, sem levar em consideração as obras, Deus nos abrace e, de
igual modo, pela fé sejamos abraçado por essa bondade a nós exibida pelo
evangelho, por certo que as promessas não carecem de sua eficácia, mesmo com a
condição anexa. Ora, afinal, de tal forma tudo nos confere graciosamente o
Senhor que também isto acrescente ao vasto acervode sua benevolência: que, não
rejeitando nossa imperfeita obediência, e suprindo o que lhe falta em
completamento, nos faz perceber o fruto das promessas da lei, exatamente como
se por nós fosse cumprida a condição. Visto que, porém, em tratando da
justificação pela fé, ter-se-á de discutir mais plenamente esta questão, por
agora não prosseguiremos além.
João
Calvino