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quinta-feira, 19 de julho de 2018

GÊNESIS 4.7 NÃO RESPALDA O LIVRE-ARBÍTRIO


Os testemunhos que, depois disto, daqui e dali respigam da Escritura não haverão de causar muita dificuldade até mesmo aos entendimentos menos aquinhoados, que simplesmente tenham devidamente se embebido das refutações precedentes. Citam do Gênesis essa afirmação: “Sob ti estará o desejo, e tu dominarás sobre ele” [Gn 4.7], o que interpretam como uma referência ao pecado, como se o Senhor houvesse prometido a Caim que, se quisesse lutar muito em subjugá-lo, a força do pecado não haveria de ser superior em sua mente. Dizemos, porém, que mais se coaduna com a ordem da oração quando esta afir mação é tomada em referência a Abel, pois Deus aí tem o propósito de condenar a iniqüidade da inveja que Caim havia concebido contra o irmão. Isto Deus o faz por dupla razão: primeira, que em vão Caim meditava um crime em função do qual excelesse ao irmão junto a Deus, em quem nenhuma honra há senão a da justiça; segunda, que Caim seria supinamente ingrato pela bênção que já recebera de Deus, se não pudesse tolerar ao irmão, quando este estava realmente sujeito à sua autoridade de primogênito. Com efeito, para que não pareçamos abraçar esta interpretação porque a outra nos é contrária, imaginemos que, de fato, Deus haja aí falado em relação ao pecado. Se assim é, o Senhor ou está prometendo, ou está ordenando, o que aí enuncia. Se está ordenando, já demonstramos que daí não se deduz nenhuma prova de capacidade humana; se está prometendo, onde jaz o cumprimento da promessa, uma vez que Caim sucumbiu ao pecado ao qual deveria dominar? Dirão que há tácita condição inclusa à promessa, como se dissesse que ele haveria de alcançar a vitória, se lutasse. No entanto, quem aceitaria tais rodeios? Ora, se esse domínio se refere ao pecado, ninguém nutre dúvida de que a oração seja imperativa, na qual não se define que possamos; pelo contrário, que devamos, embora acima de nosso poder. Todavia, não só a própria matéria, mas também a norma da gramática, exigem que se faça uma comparação de Caim e Abel, porquanto o irmão primogênito não teria sido posto em segundo plano em relação ao mais jovem, não fora que pelo próprio crime se fizera inferior.

João Calvino