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domingo, 22 de julho de 2018

A LEI MINISTRA A PERFEITA JUSTIÇA A QUE RECLAMA OBEDIÊNCIA INTEGRAL


Ora, visto que o Senhor, ao ensinar a norma da perfeita justiça, sujeitou-lhe todas as partes à sua vontade, nisto se indica nada ser-lhe mais agradável do que a obediência. Isto se deve observar tanto mais diligentemente quanto mais propensa é a intemperança da mente humana a excogitar, constantemente, variadas expressões cultuais, com o intuito de granjear-lhe as boas graças. Pois, em todos os tempos, tem se manifestado esta irreligiosa afetação de religião; por isso, por natureza, inerente na mente humana, ainda hoje se manifesta, porque os homens sempre se comprazem efusivamente em engendrar forma de alcançar justiça à parte da Palavra de Deus. Daí, entre as que se contam comumente como boas obras, lugar mais reduzido ocupam os preceitos da lei, aquela incontável multidão de preceitos humanos ocupando quase todo o espaço. Por outro lado, porém, que outra coisa diligenciou Moisés, senão coibir desregramento desse gênero, quando assim se dirigiu ao povo, após a promulgação da lei: “Observa e ouve todas as coisas que te ordeno, para que te seja bem a ti e a teus filhos depois de ti, para sempre, quando houveres feito o que é bom e agradável diante de teu Deus” [Dt 12.28]. “O que te ordeno, faze somente isto; nada lhe acrescentes, nem diminuas” [Dt 12.32]. E, antes disso, quando testificara que esta lhe era a sabedoria e entendimento perante as demais nações, que havia recebido do Senhor juízos, preceitos e cerimônias, adicionou: “Guarda, portanto, diligentemente, a ti mesmo e a tua alma, para que não te esqueças das palavras que teus olhos viram e para que não venham elas, a qualquer tempo, a apartar-se de teu coração” [Dt 4.9]. Portanto, Deus previa que os israelitas não haveriam de aquietar-se; assim que, recebida a lei, para que em seguida não dessem à luz a novos preceitos, a não ser se drasticamente contidos, declara estar aqui compreendida a perfeição da justiça. Isto devia ser-lhes o mais forte retentáculo. Entretanto, não desistiram dessa ousadia tão terminantemente proibida. E nós? Somos na verdade constringidos por esse mesmo veredicto, porquanto não há dúvida de que esse princípio tenha perpétua validez, pelo qual o Senhor vindicou à sua lei a absoluta doutrina da justiça. Entretanto, não contentes com ela, mourejamos prodigiosamente por inventar e forjar boas obras, umas por sobre as outras. Para curar este mal, o melhorremédio será se este pensamento estiver constantemente assentado: que a lei nos foi divinamente outorgada para nos ensinar a justiça perfeita; que outra justiça nela não se ensina, senão aquela que se exige segundo o requisito da vontade divina; que, portanto, em vão se tentam novas modalidades de obras para ganhar-se o favor de Deus, cujo culto genuíno consta só da obediência; e que, ao contrário, o exercício das boas obras que estão fora da lei de Deus equivale a profanação, que não se deve tolerar, da divina e verdadeira justiça. Com muita verdade, também Agostinho, que denomina a obediência que se presta a Deus, ora de mãe e guardiã de todas as virtudes, ora a fonte de todas elas.

João Calvino