Portanto, visto que agora a lei tem em
relação aos fiéis o poder de exortação, não aquele poder que ate suas
consciências na maldição, mas aquele que, com instar repetidamente, lhes sacode
a indolência e lhes espicaça a imperfeição, enquanto querem significar sua
libertação da maldição, muitos dizem que a lei (continuo falando da Lei Moral)
foi suprimida aos fiéis, não significando que não mais lhes ordene o que é
reto, mas somente que não mais lhes é o que lhes era antes, isto é, que não
mais lhes condena e destrói a consciência, aterrando-as e confundindo-as. E,
sem dúvida, Paulo não ensina obscuramente esse cancelamento da lei. Que esse
cancelamento foi também pregado pelo Senhor, disso se evidencia o fato de que
ele não refutou aquela opinião de que a lei teria sido abolida por ele, a não
ser que essa idéia viesse a prevalecer entre os judeus. Como, porém, não
poderia ela emergir ao acaso, sem qualquer pretexto, crê-se que ela se originou
de uma falsa interpretação
de sua doutrina, exatamente como quase todos os erros costumeiramente se
arrimam na verdade. Nós, porém, para que não tropecemos na mesma pedra,
distingamos acuradamente o que foi cancelado na lei e o que permanece firme até
agora. Quando o Senhor testifica que não viera para abolir a lei, mas para
cumpri-la, até que se passem o céu e a terra não deixaria fora da lei um til
sem que tudo se cumpra [Mt 5.17, 18], confirma ele sobejamente que, por sua
vinda, nada seria detraído da observância da lei. E com razão, uma vez que ele
veio antes para este fim, a saber, para que lhe remediasse às transgressões. Por
parte de Cristo, portanto, permanece inviolável o ensino da lei, a qual,
instruindo, exortando, reprovando, corrigindo, nos plasma e prepara para toda
obra boa.
João
Calvino