Impõe-se ver o que Deus quer dizer na
ameaça, quando ensina que haverá de “visitar a iniqüidade dos pais nos filhos
até a terceira e quarta geração”. Ora, além de ser estranho à eqüidade da
justiça divina infligir sobre o inocente o castigo de falta alheia, também Deus
mesmo afirma que não consentirá que o filho leve a iniqüidade do pai [Ez
18.20]. E, contudo, esta cláusula não se repete uma vez só, ou, seja, de serem
os castigos de faltas avoengas distendidas às gerações futuras. Pois,
freqüentemente, Moisés assim lhe dirige a palavra: “Senhor, Senhor, que lanças
a iniqüidade dos pais aos filhos até a terceira e quarta geração” [Ex 34.6, 7;
Nm 14.18]. De igual modo, Jeremias [32.18]: “Tu que usas de misericórdia com
milhares, que retribuis a iniqüidade dos pais ao seio dos filhos depois deles.”
Alguns, enquanto penosamente suam em solver este problema, pensam que se deva
entender isto apenas de castigos temporais, os quais, se os filhos os mantêm em
razão das faltas dos pais, não é absurdo, uma vez que não raro se lhes infligem
para a salvação. O que, de fato, é verdadeiro, pois Isaías [39.7] anunciava a
Ezequias que seus filhos haveriam de ser despojados do reino e deportados para
o exílio, por causa de pecado por ele cometido. As casas de faraó e de Abimeleque
são afligi das por causa do agravo feito a Abraão [Gn 12.17; 20.3, 18] –
quando, porém, se aplica isto à solução desta questão, é antes subterfúgio do
que verdadeira explicação. Ora, aqui e em passagenssemelhantes, estabelece ele
punição mais pesada do que se pode fixar dentro dos termos da vida presente.
Portanto, assim se deve admitir: que a justa maldição do Senhor pesa não apenas
sobre a cabeça do ímpio, mas também sobre toda sua família. Onde esta maldição
pesou, que se pode esperar, senão que o pai, destituído do Espírito de Deus,
vive mui abominavelmente, e o filho, semelhantemente abandonado pelo Senhor por
causa da iniqüidade do pai, segue o mesmo caminho de perdição? Finalmente, o
neto e o bisneto, execrável semente de homens abomináveis, após eles se lancem
em precipícios?
João
Calvino