O SEGUNDO MANDAMENTO PRECEITUA O CULTO ESPIRITUAL DE DEUS
Como no mandamento precedente, o Senhor
se proclamou ser o Deus único, além do qual nenhum outro deus se deve imaginar
ou ter, assim, neste mandamento declara ainda mais explicitamente agora de que
natureza é, e com que modalidade de culto deve ser ele honrado, para que não
ousemos atribuir-lhe algo sensório.
Portanto, a finalidade deste
mandamento é que Deus não quer que seu legítimo culto seja profanado mediante
ritos supersticiosos. Por isso, em síntese, ele nos dissuade e afasta
totalmente das observâncias materiais insignificantes que nossa mente bronca,
em razão de sua crassitude, costuma inventar quando concebe a Deus. E daí nos
instrui em relação a seu legítimo culto, isto é, ao culto espiritual e
estabelecido por ele mesmo. Assinala, ademais, o que é o mais grosseiro defeito
nesta transgressão: a idolatria exterior. Na verdade, são duas as partes deste
mandamento. A primeira nos coíbe a imoderação, para que não ousemos sujeitar
nossos sentidos, ou representar a Deus com qualquer forma que paire além da
compreensão; a segunda veda que adoremos qualquer imagem com o pretexto de
religião. Com efeito, enumera, em poucas palavras, todas as formas com que
costumava ser representado pelas pessoas profanas e supersticiosas. Por aquelas
coisas que estão no céu compreende o sol, a lua e os outros astros, e talvez as
aves, da mesma forma que em Deuteronômio [4.17, 19], expressando seu intento,
menciona tanto as aves quanto as estrelas. Não teria assinalado isto, se não
visse que certos autores aplicam improcedentemente essa referência aos anjos. Dessa
forma, deixo de focalizar os demais elementos referidos no preceito porque são
em si mesmos evidentes. E ensinamos de forma sobejamente explícita que todas as
formas visíveis de Deus, que o homem cogita, se põem diametralmente em conflito
com sua natureza; e por isso, tão logo se interpõem os ídolos, corrompe-se e
adultera-se a verdadeira religião.
João
Calvino