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domingo, 22 de julho de 2018

O DECÁLOGO: A DIVINA FORMULAÇÃO DA LEI MORAL


Aqui não julgo ser impróprio inserir os Dez Mandamentos da lei, com uma breve exposição deles. Porquanto, também daqui melhor se evidenciará o que tenho frisado, a saber, o fato de até agora vigorar o culto que Deus uma vez prescreveu. E assim ficará confirmado o segundo ponto que já mensionamos: que os judeus não só dela aprenderam qual era a verdadeira natureza da piedade, mas ainda, ante o horror do juízo, vendo que não tinham força suficiente para cumprir a lei, se viram impulsionados, como que a contra-gosto, ao Mediador. Agora, ao expor a síntese desses elementos que se requerem no verdadeiro conhecimento de Deus, ensinamos que, em razão de sua magnitude, não pode ele ser de nós concebido sem que imediatamente nos vemos diante de sua majestade, a qual nos impele à adoração. Na parte referente ao conhecimento de nós mesmos, estabelecemos este ponto capital: que, vazios da presunção de virtude própria e despidos da confiança de justiça pessoal, pelo contrário quebrantados e esmagados pela consciência de nossa indigência, aprendamos a genuína humildade e reconhecimento de nossa insuficiência. A ambos estes pontos o Senhor atinge em sua lei, onde, em primeiro lugar, vindicado para si o legítimo poder de mandar, nos chama à reverência de sua divina majestade e prescreve em que esteja ela situada e de que é ela constituída. Em segundo lugar, promulgada a regra de sua justiça, a cuja retidão nossa natureza, por ser depravada e deformada, perpetuamente se opõe, e abaixo de cuja perfeição a capacidade nossa, uma vez que é fraca e debilitada para o bem, jaz a longa distância, argúi-nos tanto de insuficiência de poder quanto de carência de justiça. Ora, tudo quanto se deve aprender das duas Tábuas, de certo modo no-los dita e ensina aquela lei interior que anteriormente se disse estar inscrita e como que gravada no coração de todos. Pois nossa consciência não nos deixa dormir um sono perpétuo, destituído de sensibilidade, sem que nos seja testemunha e monitora interior daquilo que devemos a Deus, sem que nos anteponha a diferença do bem e do mal, e assim nos acuse quando nos afastamos de nosso dever.
Entretanto, já que o homem está envolto na escuridão dos erros, mediante essa lei natural ele apenas de leve prova que culto há de ser aceitável a Deus. Na verdade, se afasta de sua correta compreensão por uma longa distância. Além disso, está a tal ponto intumescido de arrogância e ambição, e cegado de amor próprio, que nem ainda é capaz de contemplar-se e como que descer dentro de si mesmo, para que aprenda a humilhar-se e reconhecer a própria indignidade e confessar sua miséria. Por isso, porquanto era necessário, tanto a nosso embotamento quanto a nossa contumácia, proveu-nos o Senhor a lei escrita para que não só atestasse com certeza maior o que era demasiadamente obscuro na lei natural, mas também, sacudido o torpor, a mente e a memória nos ferissem com mais intensa vividez.


João Calvino