Costuma-se também objetar-se acerca de
algumas outras passagens, nas quais se mostra que, retirada a assistência de
sua graça, Deus põe, por vezes, os homens à prova e fica na expectativa sobre
que rumo os esforços se convergirão, como está em Oséias: “Irei para meu lugar,
até que ponham no coraçãoe busquem minha face” [Os 5.15]. Seria ridículo, dizem
eles, se o Senhor considerasse Israel como a buscar-lhe a face, a não ser que
as mentes fossem flexíveis, que pudessem, por sua própria disposição,
inclinar-se para um e outro lado. Como se, na verdade, isto não fosse
extremamente comum a Deus nos profetas: assumir a aparência de quem desprezava
e rejeitava ao povo, até que a vida emendasse para melhor! Entretanto, o que
nossos adversários, afinal, derivarão de tais ameaças? Se pretendem que o povo,
abandonado por Deus, possa, por si mesmo, idear conversão, terão que fazer isso
ante o protesto de toda a Escritura;se admitem ser a graça de Deus necessária à
conversão, por que litigam conosco? Contudo, a concedem necessária em termos
tais que pretendem que seja preservada ao homem a capacidade pessoal. De que
fonte o provam? Certamente, não desta passagem, nem de similares, porque uma
coisa é afastar-se do homem e volver os olhos para o que haja ele de fazer,
entregue e deixado a si; outra, ajudar suas forças, diminutas que sejam, na
medida de sua fraqueza. Portanto, dirá alguém: Que significam essas expressões?
Respondo: valem exatamente como se Deus falasse assim: “Uma vez que nada de
proveito se consegue junto a este povo contumaz, com advertência, com
exortação, com repreensão, retirar-me-ei por um pouco e silencioso deixarei que
ele seja afligido. Verei se porventura, em algum tempo, após longas
calamidades, dele se apodere a lembrança de mim, para que busque minha face.”
Mas, o afastamento do Senhor para longe denota a supressão da profecia. Ficar
observando o que porventura os homens hão de fazer significa acossá-los por algum
tempo com aflições várias, silencioso e como que às escondidas. A ambos faz o
Senhor para que nos torne mais humildes, pois, a não ser que, por seu Espírito,
nos predispusesse a essa suscetibilidade em aprender, seríamos mais depressa
chagados do que corrigidos pelos azorragues das coisas adversas. Com efeito,
quando, ofendido e como que fatigado por nossa obstinação inque- brantada, isto
é, removida sua Palavra, na qual costuma exibir algo de sua presença, o Senhor
nos deixa por um pouco, e empreende a experiência do que tenhamos de fazer
enquanto ele está ausente, daí se conclui erroneamente haver certos poderes de
livre-arbítrio que Deus contempla e testa, quando não o faz para outro fim
senão forçar-nos a reconhecer nossa [– nada; nulidade].
João
Calvino