Mas, o Senhor não se contenta com
haver granjeado reverência para com sua justiça. Para que também nos imbuísse o
coração com o amor dessa justiça, ao mesmo tempo também com o ódio da
iniqüidade, acrescentou promessas e ameaças. Porque, pois, o olho de nossa
mente está demasiadamente enuviado para que seja afetado tão-só pela formosura
do bem, o Pai clementíssimo, por sua bondade, nos quis atrair pela doçura das
recompensas a amá-lo e buscá-lo. Portanto, declara ele que as virtudes têm nele
recompensas, nem haverá de laborar em vão aquele que lhe tenha obedecido aos
mandamentos. Proclama, por outro lado, que a injustiça não só lhe é execrável,
mas ainda que não haverá de escapar impunemente, porquanto ele próprio haverá
de ser o vingador de sua majestade ultrajada. E, para que de todos os modos ao
mesmo tempo nos exortem, promete ele tanto as bênçãos da presente vida, quanto
a bem-aventurança eterna, à obediência daqueles que tiverem observado os
mandamentos; aos transgressores, porém, ameaça não menos com calamidades atuais
do que com o suplício da morte eterna. Pois esta promessa: “Aquele que praticar
estas coisas viverá por elas” [Lv 18.5]; e, de igual modo, a ameaça
correspondente: “A alma que pecar, essa morrerá” [Ez 18.4, 20], sem nenhuma
dúvida, quer atentem para a imortalidade, quer para a morte futura e que jamais
haverá de findar-se. Todavia, onde quer que se mencione a benevolência ou a ira
de Deus, sob aquela se contém a eternidade de vida; sob esta, a perdição
eterna.
Mas, das bênçãos e maldições atuais,
na lei se enumera longo catálogo [Lv 26.3-39; Dt 28]. E nas penalidades
atesta-se, de fato, a suprema pureza de Deus, que não pode tolerar a
iniqüidade; nas promessas, porém, além do supremo amor para com a justiça, que
não se permite defraudar do devido galardão, atesta-se-lhe também a admirável
benignidade. Pois, uma vez que, com tudo o que nos pertence, à majestade lhe
somos insolventemente endividados, com ainda mais direito exige ele como dívida
tudo quanto requer de nós. Mas, o pagamento de uma dívida não faz jus a
recompensa. Logo, Deus se afasta de seu direito quando oferece recompensas por
nossos atos de obediência, os quais não se exibem espontaneamente, como se não
devidos. Quanto ao proveito que podemos tirar das próprias promessas, já foi
exposto em parte, e se verá com mais clareza no devido lugar. Bastante é no
presente, se sustentamos e refletimos que nas promessas da lei não há vulgar
recomendação da justiça, para que se faça mais evidente quão grandemente agrada
a Deus sua observância, e que as penalidades já foram estabelecidas para maior
execração da injustiça, para que o pecador, seduzido pelos afagos dos vícios,
não esqueça o juízo do Legislador que lhe está preparado.
João
Calvino