A quinta diferença
que se pode adicionar jaz nisto: que até a vinda de Cristo o Senhor separara,
como um todo, um povo em que contivesse o pacto de sua graça. “Quando o
Altíssimo distribuía os povos, quando dividia os filhos de Adão”, diz Moisés,
“coube-lhe por posse o seu povo; Jacó veio a ser o cordel da herança” [Dt 32.8,
9]. Em outro lugar, assim fala ao povo: “Eis que do Senhor teu Deus é o céu e a
terra e tudo que nela há. Contudo, somente a teus pais se apegou; amou-os a tal
ponto que escolheu sua semente após eles, isto é, a vós próprios, dentre todos
os povos” [Dt 10.14, 15]. Portanto, só a esse povo, como se ele só dentre os
homens lhe pertencesse, dignou
do conhecimento de seu nome; seu pacto como que lhe pôs no regaço;
manifestou-lhe a presença de sua majestade; honrou-o com todos os privilégios.
Mas, para omitirmos os demais benefícios, atenhamo-nos a esse um de que aqui se
trata: mediante a comunicação de sua palavra, a si o uniu de tal sorte que
fosse chamado e fosse tido por seu Deus. Enquanto isso, deixava que os demais
povos andassem em fatuidade [At 14.16], como se consigo nada tivessem de
relação e intercurso; nem, para que lhes curasse o mal, propiciava o que era o
único remédio, a saber, a pregação da Palavra. Foi assim que Israel veio a ser,
então, o filho querido do Senhor; os demais eram estranhos; aquele reconhecido,
e recebido à confiança e à proteção, os demais deixados em suas trevas; aquele
santificado por Deus, os demais profanos; aquele honrado na presença de Deus,
os demais excluídos de toda aproximação. Quando, porém, veio a plenitude dos
tempos [Gl 4.4] destinada à restauração de todas as coisas [Mt 17.11], e foi
revelado esse reconciliador de Deus e dos homens, derruída a muralha que, por
tão longo tempo, mantivera a misericórdia de Deus confinada nos limites de
Israel, foi anunciada a paz aos que estavam longe, não menos aos que se achavam
perto, para que, juntamente reconciliados com Deus, se amalgamassem em um só
povo [Ef 2.14-17]. Por isso, agora nenhuma distinção há de grego ou judeu [G1
3.28], de circuncisão ou incircuncisão, mas “Cristo é tudo em todos” [Cl 3.11],
“a quem os povos foram dados por herança e os termos da terra por pecúlio” [Sl
2.8], para que “sem distinção domine ele de mar a mar e desde os rios até os
extremos confins do orbe” [Sl 72.8].
João Calvino