Portanto, a vocação dos gentios é insigne marca
através da qual se ilustra a excelência do Novo sobre o Antigo Testamento. Sem
dúvida que de muitos e mui claros vaticínios dos profetas fora ela atestada
anteriormente, seu cumprimento, porém, foi delongado até o reino do Messias. E,
na verdade, o próprio Cristo não fez avanços para ela imediatamente após o
primeiro início de sua pregação. Pelo contrário, a prorrogou até que, cumpridos
todos os passos de nossa redenção e acabado o tempo de sua humilhação, recebesse
do Pai “o nome que está acima de todo nome, diante do qual se dobrasse todo
joelho” [Fp 2.9, 10]. Donde, ainda não chegada esta oportunidade, nega ele à
mulher cananéia ter sido enviado a não ser às ovelhas perdidas da casa de
Israel [Mt 15.24]; nem aos apóstolos, em sua primeira missão, permite transpor
esses mesmos limites. “Pelo caminho dos gentios”, diz ele, “não ireis e nas
cidades dos samaritanos não entrareis. Ao contrário, ide antes às ovelhas
perdidas da casa de Israel” [Mt 10.5, 6]. Mas, por mais que de tantos
testemunhos fosse proclamada a chamada dos genti os, quando, entretanto, teve
que ser empreendida pelos apóstolos, tão nova e insólita lhes pareceu que se
lhe quedaram apavorados, como se fora alguma prodigiosa monstruosidade. Empreenderam-na,
por fim, trepidantemente, é verdade, e nem sem hesitação. Nem é de admirar,
pois parecia quase nada consentâneo à razão que o Senhor, que por tantos
séculos preferira Israel aos demais povos, como que de repente, mudado o
desígnio, abrisse mão dessa preferência. Isto de fato fora predito por meio de
vaticínios. Contudo, não podiam eles estar a tal ponto atentos a tais
vaticínios, que nada se deixassem afetar pela novidade do fato que se lhes
deparava. Nem eram suficientemente fortes para demovê-los os exemplos da futura
vocação dos gentios que Deus dera a conhecer já no passado. Ora, além de chamar
a pouquíssimosgentios, a esses mesmos de certo modo os enxertava na família de
Abraão, de sorte que fossem acrescentados a seu povo. Mas, através dessa
chamada pública não só eram os gentios igualados aos judeus, mas ainda se fazia
manifesto que estavam eles a tomar como que o lugar de mortos. Acrescenta que
os estrangeiros jamais foram postos em igualdade com os judeus, quem quer que
fossem, aos quais Deus admitira previamente ao corpo da Igreja. Dessa forma,
não sem causa, Paulo proclama, com tanta veemência, este “um mistério escondido
dos séculos e das gerações” [Cl 1.26], e diz ser o mesmo maravilhoso inclusive
aos anjos [Ef 3.9, 10].
João Calvino