Nem é
necessária, para a compreensão desta matéria, a angustiante discussão
que
tanto atormentou aos antigos: se, uma vez que nela reside capitalmente o
contágio,
a alma
do filho procede da alma paterna por derivação. A nós nos convém estar
contentes
com isto: haver o Senhor depositado em Adão aqueles dotes que quis
conferir
à natureza humana. Portanto, quando perdeu os dotes recebidos, aquele os
perdeu,
não apenas por si só, mas também por todos nós.
Quem
haverá de estar preocupado acerca da derivação da alma, ao ouvir que
esses
adereços que veio a perder, Adão os recebera não menos para nós que para
si
próprio; que
eles foram conferidos não a apenas um homem, ao contrário, foram
atribuídos
a toda a natureza do homem? Portanto, nada há de absurdo se, despojado
este,
a natureza é deixada desnuda e carente; se aquele, manchado pelo pecado,
o
contágio serpeia na natureza. Daí, da raiz putrefata brotaram ramos pútridos,
que
transmitiram sua podridão aos outros rebentos que nasceriam deles. Ora, os
filhos
foram de tal modo corrompidos no genitor que vieram a ser transmissores
da
corrupção aos netos, isto é, de tal molde foi o princípio da corrupção em Adão
que
dos ancestrais se transmite aos pósteros em uma corrente perpétua. Pois o
contágio
não tem sua causa na substância da carne ou da alma. Pelo contrário,
porque
fora assim por Deus ordenado, que os dons que concedera ao primeiro
homem,
ele, a um tempo, os possuísse e os perdesse, tanto para si,
quanto para os
seus.
Refuta-se,
porém, facilmente o que os pelagianos sofismam, a saber, não é
verossímil
que de
pais piedosos os filhos derivem corrupção, quando, antes, devem
ser
santificados pela pureza deles. Ora, não descendem da regeneração espiritual,
mas da
geração carnal. Daí, como diz Agostinho: “Quer um infiel culposo, quer um fiel inculpável, um e
outro não gera inculpáveis, mas culposos, porque os gera de
natureza
corrupta.”7
Com
efeito, o que, de certo modo, lhes comunicam à santidade é bênção
especial
do
povo de Deus, bênção que, no entanto, não faz com que não prevaleça
aquela
primeira
e original maldição da raça humana. Pois, a culposidade provém da própria
natureza;
a santificação, contudo, procede da graça supernatural.
João
Calvino