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segunda-feira, 9 de julho de 2018

AS PRESSUPOSTAS FACULDADES DA ALMA E SUA FUNÇÃO


Visto que já dissemos pouco antes que as faculdades da alma estão sediadas na mente e no coração, consideremos agora de que poder se reveste uma e outra dessas partes do ser. Na verdade os filósofos imaginam com avultado consenso que é na mente que se radica a Razão, a qual, à semelhança de uma lâmpada, ilumina a todas
as decisões, e à maneira de uma rainha governa a vontade. Pois, a tal ponto supõem ter sido a mesma banhada da luz divina para que possa decidir com muito acerto, e nesse poder exceler a tal ponto que possa reger com muita eficiência. Em contraposição, imaginam que a sensibilidade está tão embotada e tão eivada de obtusidade de visão, que sempre rasteje ao solo e se revolva nos mais vis objetos, nem jamais se alce ao verdadeiro discernimento; o apetite, se porventura consegue obedecer à razão, nem se deixa sujeitar à sensibilidade, é levado ao cultivo das virtudes, a reta via conserva e em vontade se conforma; se entretanto se entrega à servidão da sensibilidade,
é por ela a tal ponto corrompido e depravado, que degenera em concupiscência.
E como, segundo a opinião deles, dentro em nós subsistem plenamente essas faculdades da alma que acima referi – intelecto, sensibilidade e apetite ou vontade –, sendo esta última designação já agora recebida em uso mais vulgarizado, postulam esses filósofos que o intelecto é dotado da razão, a mais sublimada gestora para
se viver bem e afortunadamente, contanto que o próprio intelecto se sustenha em sua excelência e dê vazão à força de natureza a si conferida. Seu impulso inferior, porém, que se denomina sensibilidade, mercê da qual o homem é arrastado ao erro
e ao engano, é tal que pode ser domado e aos poucos quebrantado pela palmatória da razão. Além disso, a meio caminho entre a razão e a sensibilidade colocam a vontade, naturalmente senhora de seu direito e de sua liberdade, seja que lhe apraza obedecer à razão, seja prostituir-se à sensibilidade, para ser dela violentada.

João Calvino