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segunda-feira, 9 de julho de 2018

A VONTADE HUMANA, NA OPINIÃO DOS FILÓSOFOS, É LIVRE E SOBERANA


Com efeito, convencidos pela própria experiência, é verdade que os filósofos de vez em quando não negam com quão grande dificuldade o homem firma em si o reinado à razão, enquanto ora é afagado pelos engodos dos prazeres, ora é iludido pela aparência de coisas boas, ora é violentamente combatido por impulsos imoderados e, como o diz Platão, como que por cordas ou correias puxado em direções diversas.  Pela mesma razão, também diz Cícero que aquelas fagulhas dadas pela natureza são, dentro em pouco, extintas pelas opiniões corruptas e pelos maus costumes.
Quando, realmente, enfermidades desta natureza uma vez se assenhorearam das mentes dos homens, confessam grassarem elas mais virulentamente do que seja possível facilmente debelá-las; nem hesitam em compará-las a cavalos bravios que, alijada a razão, qual um cocheiro atirado fora da carruagem, se entregam, desenfreada
e desmedidamente, à licenciosidade. Isto, contudo, determinam além de controvérsia: as virtudes e os vícios estão em nosso poder. Ora, dizem eles, se é de nossa escolha fazer isto ou aquilo, logo também o não fazê-lo. Por outro lado, se é de nossa escolha o não fazê-lo, logo é também fazê-lo. Mas parecemos fazer de livre escolha as coisas que fazemos e absternos daquelas das quais nos abstemos. Portanto, se algo de bom fazemos quando nos apraza, podemos igualmente deixar de fazê-lo; se algo de mau perpetramos, podemos também evitá-lo. E alguns deles se têm arrojado até ao ponto de desbragamento:
se jactam de que é certamente obra dos deuses que vivemos; nossa, entretanto, que vivemos bem e santamente. Donde também essa observação de Cícero, na pessoa de Cotta, de que, porquanto cada um adquire a virtude para si, ninguém dentre os sábios jamais rendeu graças a Deus a respeito dela. “Pois somos louvados em razão de nossa virtude”, diz ele, “e em nossa virtude nos gloriamos, o que não aconteceria, se ela fosse dádiva de Deus, e não procedesse de nós mesmos.” E, pouco depois: “Este é o parecer de todos os mortais: que a Deus se deve pedir sorte, e que sabedoria se deve obter de si próprio.”
Portanto, esta é a suma da opinião de todos os filósofos: que para a reta direção do ser basta a razão do intelecto humano; que a vontade a ela subjacente é, com efeito, pela sensibilidade solicitada às coisas más. Entretanto, visto que tem livre escolha, de modo algum pode ser impedida de por tudo seguir a razão como guia.

João Calvino