Contudo, somos
ensinados em muitas passagens que essa prefiguração do descanso espiritual teve
o lugar principal no sábado. Com efeito, de quase nenhum mandamento mais
severamente o Senhor exige obediência. Quando, nos profetas, quer dar a
entender que toda a religião está subvertida, queixa-se Deus de que seus
sábados foram profanados, violados, não observados, não santificados, como se,
posta de lado esta deferência, nada mais restasse em que pudesse ser honrado
[Is 56.2; Jr 17.21-23, 27; Ez 20.12, 13; 22.8; 23.38]. A observância cumula-lhe
os mais sublimados encômios, donde também os fiéis, entre os demais oráculos,
estimavam sobremaneira a revelação do sábado. Pois assim falam os levitas em
Neemias [9.14], na assembléia solene: “Deste a conhecer a nossos pais teu santo
sábado; mandamentos, e cerimônias, e a lei lhes deste pela mão de Moisés.” Vês
como o sábado é tido de singular dignidade entre todos os mandamentos da lei.
Estes preceitos todos servem para exalçar a dignidade do mistério, que é mui
esplendidamente expresso por Moisés e Ezequiel. Assim tens no Êxodo [31.13, 14,
16, 17a]: “Vede que guardeis meu sábado, porque é um sinal entre mim e vós, em
vossas gerações, para que saibais que Eu sou o Senhor, que vos santifico.
Guardai o sábado, pois ele é santo para vós.” “Guardem o sábado os filhos de
Israel, e o celebrem em suas gerações; é um pacto sempiterno entre mim e os filhos de Israel, e um sinal
perpétuo.” Ora, ainda mais destacadamente o reitera Ezequiel, cuja suma,
entretanto, é esta: que o sábado fosse por sinal pelo qual Israel pudesse
conhecer que Deus lhe era o santificador [Ez 20.12]. Se nossa santificação se
patenteia na mortificação da própria vontade, então mui adequada
correspondência se oferece do sinal externo com a própria realidade interior.
Importa que nos desativemos totalmente, para que Deus opere em nós, abrindo mão
de nossa vontade, resignando o coração, de seus apetites abdicando toda a
carne. Enfim, impõe-se abster-nos de todas as atividades de nosso próprio
entendimento, para que, tendo a Deus operando em nós [Hb 13.21], nele
descansemos, como também o ensina o Apóstolo [Hb 4.19].
João Calvino