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domingo, 12 de agosto de 2018

A SEGUNDA DIFERENÇA: NO ANTIGO TESTAMENTO JAZEM AS SOMBRAS; NO NOVO, A REALIDADE


Outra diferença de Antigo e Novo Testamentos é expressa nas figuras, uma vez que naquele a realidade estava ausente, ostentava somente a imagem e uma sombra em lugar do corpo, este exibe a realidade presente e o corpo real. E ocorre menção desta diferença quase sempre que ao Antigo Testamento se contraponha o Novo. Todavia, mais extensiva que em qualquer outro lugar é a consideração que se faz na Epístola aos Hebreus. Aí o Apóstolo disputa contra aqueles que não pensavam que as observâncias da lei mosaica não podiam ser abolidas sem que arrastassem consigo a ruína de toda a religião. A fim de refutar esse erro, assume ele o que no Profeta fora predito acerca do sacerdócio de Cristo [Sl 110.4; Hb 7.11], pois quando Àquele se atribui um sacerdócio eterno, certo é que se abole esse sacerdócio em que diariamente uns eram substituídos pelos outros como sucessores [Hb 7.23]. Prova, porém, que a instituição deste novo sacerdócio prevalece sobre o outro porque é firmada em juramento [Hb 7.21]. Acrescenta, a seguir, que nesta transmutação de sacerdócio se opera também mudança de Testamento [Hb 8.6-13]. E isto, com uma razão, confirma ter sido necessário, porquanto esta era a fraqueza da lei: que ela nada podia conduzir à perfeição [Hb 7.19]. Então, a seguir, expõe de que natureza era essa fraqueza: na verdade, que consistia nas expressões externas da justiçada carne, que, segundo a consciência, não podiam tornar perfeitos a seus cultores, porque com sacrifícios de animais a lei não podia nem apagar pecados, nem granjear verdadeira santidade. Conclui, pois, o autor de Hebreus que nela houve apenas a sombra dos bensfuturos, não a expressão viva das coisas [Hb 10.1], e por isso não teve outra função senão que fosse uma introdução à esperança superior que se exibe no evangelho. Aqui se nos impõe ver em que aspecto se compara o pacto da lei com o pacto do evangelho, o ministério de Cristo com o ministério de Moisés. Ora, se a comparação dissesse respeito à substância das promessas, grande discrepância se estenderia entre os dois Testamentos. Uma vez que, entretanto, a outro rumo nos conduz o estado da questão, a este devemos volver-nos para descobrirmos a verdade. Tragamos, portanto, à liça o pacto que Deus sancionou uma vez, pacto eterno e jamais susceptível de abolição. O cumprimento deste pacto, donde afinal tem sua confirmação e ratificação, é Cristo. Enquanto é esperada tal confirmação, prescreve o Senhor, através de Moisés, cerimônias que são como que símbolos solenes desta confirmação.
O ponto de controvérsia era se convinha que as cerimônias ordenadas pela lei cessaram para deixar lugar a Cristo.218 Contudo, estas cerimônias eram como que apenas acidentes do pacto, ou, na verdade, adições e anexos e, como diz o vulgo, acessórios. Porque, no entanto, eram instrumentos de sua administração, têm o título de pacto, como, aliás, costuma dar-se também com outros sacramentos que recebem o nome da realidade que representam. Conseqüentemente, em suma, neste contexto chama-se Antigo Testamento a maneira solene de confirmar o pacto compreendida em cerimônias e sacrifícios. Uma vez que, porém, nestas cerimônias e sacrifícios nada subsiste substancial, a não ser que se vá além deles, contende o Apóstolo ter sido necessário que se fizessem obsoletos e fossem abolidos, para que se desse lugar a Cristo, fiador e mediador de um Testamento superior [Hb 7.22], através de quem foi uma vez adquirida eterna santificação para os eleitos e obliteradas as transgressões que permaneciam sob a lei. Pois, se o preferes, toma-o assim: o Antigo Testamento era o Testamento do Senhor que era ministrado envolto na observância obscrura e ineficaz das cerimônias, e por isso foi temporário, porque estava como que em suspenso até que fosse sustentado por confirmação firme e substancial. Então, de fato, finalmente veio a tornar-se Novo e Eterno, depois que foi consagrado e firmado pelo sangue de Cristo. Donde Cristo chamar ao cálice que distribui aos discípulos na Ceia, o cálice do Novo Testamento em seu sangue [Lc 22.20], para significar que ao Testamento de Deus a verdade em virtude da qual se faz Novo e Eterno então, realmente se confirma quando é selada com seu sangue.

João Calvino