Total de visualizações de página

domingo, 12 de agosto de 2018

A SOBERANA LIBERDADE DE DEUS DE A TUDO DISPOR SEGUNDO SEUS PROPÓSITOS


Com efeito, donde esta diversidade, insistem, senão porque Deus quis que ela fosse assim? Não pôde ele, porventura, tão bem de início, quanto após a vinda de Cristo, revelar a vida eterna mediante palavras explícitas, além de qualquer figura, instruir os seus com uns poucos e claros sacramentos, prodigalizar o Espírito Santo, difundir pelo orbe inteiro sua graça? Isto é, na verdade, exatamente como se litigassem com Deus, só porque criou ele o mundo tão tarde, quando o poderia ter criado desde o princípio, ou porque quisesse ele que houvesse alternâncias entre inverno e verão, dia e noite. Nós, porém – o que devem sentir todos os piedosos –, não duvidamos que tudo quanto foi feito por Deus o foi sabiamente e com justeza, ainda que freqüentemente desconheçamos a causa por que lhe conveio assim agir. Ora, seria isto arrogar demais para nós: não conceder a Deus que tenha razões de seu propósito que nos são ignotas. Mas, dizem, é de admirar que recuse e abomine agora sacrifícios animais e todo aquele aparato do sacerdócio levítico nos quais se deleitava outrora. Como se, realmente, estas coisas externas e fugazes deleitem a Deus ou o afetem de qualquer modo! Já foi dito que Deus não fez nenhuma destas coisas por sua própria causa; pelo contrário, a todas determinou em prol da salvação dos homens. Se de uma enfermidade, da melhor maneira possível, um médico cura a um jovem, mas depois, em prol do mesmo indivíduo, já envelhecido, usa de outro processo de cura, porventura diremos ter ele repudiado o método de curar que lhe fora anteriormente do agrado? Ao contrário, enquanto nele persiste, constantemente, leva em conta o fator da idade. Desse modo, foi necessário que com uns sinais não só se prefigurasse o Cristo ausente, mas ainda se proclamasse quando havia de vir; agora, manifestado, importa que seja representado por outros sinais. No tocante à vocação de Deus mais amplamente difusa por todos os povos na vinda de Cristo do que fora antes, e às graças do Espírito mais largamente derramadas, quem, pergunto eu, negaria ser justo que na mão e arbítrio de Deus esteja a livre dispensação de suas graças, para que ilumine aquelas nações que ele queira iluminar, nos lugares que queira promover a pregação de sua palavra, sempre que queira prodigalizar o progresso e êxito de sua doutrina, nas eras em que o queira, por causa de sua ingratidão, do mundo detraia o conhecimento de seu nome, em vista de sua misericórdia, e o restitua quando novamente o queira? Vemos, portanto, que são calúnias sobremodo indignas, com as quais homens ímpios neste aspecto perturbam os ânimos dos símplices, para que ponham em dúvida, ou a justiça de Deus, ou a fidedignidade da Escritura.


João Calvino