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domingo, 12 de agosto de 2018

AS BÊNÇÃOS MATERIAIS DO ANTIGO TESTAMENTO ERAM SOMBRAS DA BÊNÇÃO ESPIRITUAL DA DISPENSAÇÃO DO EVANGELHO


Isto refulgirá melhor à luz da comparação que Paulo fez na Epístola aos Gálatas. Ele compara a nação dos judeus a um herdeiro quando criança, que, ainda não idôneo para governar-se, segue o ditame de um tutor ou curador, a cuja custódia foi confiado [Gl 4.1-3]. Entretanto, ele refere esta comparação acima de tudo às cerimônias rituais, nada impedindo a que também aqui se aplique muito apropriadamente. Portanto, foi-lhes destinada a mesma herança que a nós, mas, em razão da idade, ainda não eram capazes dela tomar posse e dela tratar. Estava entre eles a mesma Igreja, todavia, até esse ponto, como que na infância. Daí, o Senhor os manteve sob esta tutela, de sorte que não lhes desse as promessas espirituais, aliás, desnudas e manifestas, mas debuxadas, em certa medida, sob prefigurações terrenas. Portanto, quando à esperança da imortalidade associava Abraão, Isaque e Jacó, e a posteridade deles, prometeu-lhes em herança a terra de Canaã, na qual não fundamentassem suas esperanças, mas de cuja visão se exercitassem e se firmassem na esperança daquela herança real que ainda não se fazia patente. E para que não viessem a desvairar no engano, era-lhes dada uma promessa superior, que lhes atestasse não ser a terra o supremo benefício de Deus. Assim, não se permite que Abraão ficasse estático na promessa prometida da terra; pelo contrário, mediante uma promessa maior, sua mente é elevada ao Senhor. Pois, ouve ele: “Abraão, Eu sou teu protetor e mui grande é teu galardão” [Gn 15.1]. Aqui vemos que a finalidade do galardão de Abraão é posta no Senhor, para que não buscasse ele nos elementos deste mundo esse galardão incerto e inconstante; ao contrário, o refletisse como sendo imarcescível. Em seguida acrescenta a promessa da terra, não com outra condição senão que seja símbolo da divina benevolência e tipo da herança celestial, o que declaram os testemunhos ter sido esse seu sentido para os santos. Desse modo, Davi passa das bênçãos temporais para aquela bênçãosuprema e final.
“Meu coração e minha carne”, diz ele, “desfalecem de anseio por ti. Deus é minha porção para sempre” [Sl 73.26; 84.2]. De novo: “O Senhor é a porção de minha herança e de meu cálice;tu és aquele que a mim me conservas a herança” [Sl 16.5]. Igualmente: “A ti clamei, Senhor, disse eu: Tu és minha esperança, minha porção na terra dos viventes” [Sl 142.5]. Aqueles que ousam assim falar, na verdade estão mostrando abertamente que, em sua esperança, transcendem ao mundo e a tudo quanto há de bens presentes. Finalmente, os profetas descrevem esta bem-aventurança do mundo futuro mais freqüentemente sob a forma do tipo que haviam recebido do Senhor. Neste sentido devem ser entendidas estas expressões em Jó e, em muitos lugares, em Isaías, de que “os piedosos possuirão a terra em herança, mas os ímpios serão dela exterminados” [Jó 18.17]; que Jerusalém abundará em toda espécie de riquezas e Sião transbordará na abundância de todas as coisas [Is 60.5-9]. Vemos perfeitamente que todas essas coisas não dizem respeito propriamente à terra de nossa peregrinação ou à Jerusalém terrestre, mas à verdadeira pátria dos fiéis e àquela cidade celeste em que o Senhor ordenou a bênção e a vida para sempre [Sl 133.3].

João Calvino