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domingo, 12 de agosto de 2018

DA DIFERENÇA DOS TESTAMENTOS ENTRE SI

A PRIMEIRA DE CINCO DIFERENÇAS QUE PODEM SER SALIENTADAS ENTRE OS DOIS TESTAMENTOS, DIFERENÇAS QUE, PORÉM, NÃO LHES AFETAM A UNIDADE

E então? Porventura dirás que nenhuma diferença é deixada entre Antigo e Novo Testamentos? E o que se fará a tantas passagens da Escritura, onde entre si se contrastam como coisas muito diversas? Eu, na verdade, aceito de bom grado as diferenças que se registram na Escritura, mas de tal modo que nada denigram à unidade já estabelecida, como se haverá de ver quando as tratarmos na devida ordem. As principais, porém, quanto me foi possível notar e posso lembrar, são elas quatro em número, às quais, se apraza acrescentar uma quinta, muito longe estou de reclamar. Digo que todas estas diferenças são de tal natureza, e comprometo-me a demonstrálo, que dizem respeito ao modo de administração, antes que à substância. Por esta razão, nada impedirá que as promessas permaneçam as mesmas, quer do Antigo, quer do Novo Testamento, e Cristo como sendo o mesmo fundamento das próprias promessas. Ora, a primeira diferença é que, ainda quando, também outrora, queria o Senhor alçar as mentes de seu povo à herança celestial, e elevar os ânimos em relação a ela, todavia, para que em sua esperança melhor fossem nutridos, a exibia para que fosse contemplada, e como que degustada, sob a forma de benefícios terrenos. Agora, revelada pelo evangelho mais clara e diafanamente a graça da vida futura, o Senhor nos dirige as mentes diretamente à sua meditação, posta de parte a maneira inferior de exercitação que aplicava em relação aos israelitas. Aqueles que não atentam para este plano de Deus pensam que o povo antigo não foi além desses benefícios que eram prometidos ao corpo. Ouvem tantas vezes a menção da terra de Canaã como a insigne e até mesmo a única recompensa aos cultores da lei divina. Ouvemo Senhor ameaçar aos transgressores desta mesma lei com a mesma severidade com que seriam expelidos da posse de sua terra e dispersos por regiões estranhas [Lv 26.33; Dt 28.36]. Vêem, finalmente, que todas as bênçãos e maldições que Moisés anuncia vêm quase a este mesmo ponto. Destas coisas postulam, sem a mínima dúvida, dos demais povos haverem os judeus sido separados não por sua própria causa, mas por uma causa alheia, a saber, para que a Igreja Cristã pudesse ter uma representação em cuja forma exterior contemplasse expressões das coisas espirituais. Quando, porém, algumas vezes a Escritura mostra o próprio Deus destinando a isso os benefícios terrenos com os quais os aquinhoava, que assim os estava conduzindo pela mão à esperança celestial, deixar de atentar para dispensação desta natureza foi de excessiva imperícia, para não dizerobtusidade. Com esta espécie de homens o ponto de controvérsia consiste em que eles ensinam que a posse da terra de Canaã constituía para os israelitas a suprema e última bem-aventurança; e que para nós, depois de Cristo ser revelado, tipificava a herança celestial. Nós contendemos, em contrário, que na possessão terrena de que fruíam tinham contemplado como que num espelho a herança futura que criam ter sido para eles preparada nos céus.

João Calvino