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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

CRISTO, EM MATEUS 5.34-37, NÃO PROÍBE TODO E QUALQUER JURAMENTO


Os anabatistas, não contentes com esta moderação de juramento, execram a todos os juramentos sem exceção, porquanto a seu ver a proibição de Cristo é total: “Eu vos digo, de modo algum jureis; ao contrário, seja vossa palavra: sim, sim, não, não. O que passa disso, procede do Maligno” [Mt 5.34]. Desta maneira, entretanto, investem inconsideradamente contra Cristo, fazendo-o opositor ao Pai, como se houvesse descido à terra a fim de cancelar seus decretos. Com efeito, na lei o Deus Eterno não só permite o juramento como coisa legítima, o que de si deveria ser suficiente, mas inclusive o ordena em caso de necessidade [Ex 22.11]. Cristo, porém, afirma que ele é um com o Pai [Jo 10.30], que outra coisa não outorga senão o que o Pai ordenara [Jo 10.18], que seu ensino não é de si mesmo [Jo 7.16] etc. E então? Porventura farão a Deus contrário a si próprio, de modo que em seguida haja de proibir e condenar o que uma vez aprovara, preceituando-o no proceder humano?Entretanto, por haver nas palavras de Cristo alguma dificuldade, ponderemo-las por uns breves instantes. Aqui, porém, jamais alcançaremos a verdade, a menos que fixemos os olhos no intento de Cristo e voltemos a atenção para aquilo que aí trata. Ele não teve o propósito de ou relaxar ou restringir a lei, mas de reconduzi-la ao verdadeiro e genuíno significado, que tinha sido assaz corrompido pelas falsas invenções dos escribas e fariseus. Se temos isto em mente, não haveremos de pensar que Cristo haja condenado totalmente aos juramentos, mas somente aqueles que transgridem a norma da lei. Das próprias palavras se faz patente que o povo então de nada habitualmente se guardava senão de juramentos falsos, enquanto a lei proíbe não só a estes, mas ainda os juramentos banais e supérfluos. Portanto, o Senhor, o mais seguro intérprete da lei, adverte que é mau não apenas jurar falsamente, mas até mesmo o simples jurar. Jurar como? Certamente, jurar em vão. Mas, os juramentos que se recomendam na lei ele os deixa intactos e desimpedidos. Não obstante, a seus próprios olhos têm razão, fazendo finca pé naquele “de modo algum”, que entretanto não se refere ao termo “jurar”, mas às formas de juramentos anexas em seguida. Ora, também esta era uma parcela de seu erro: pensar que não tocavam no nome de Deus enquanto juravam pelo céu e pela terra. Portanto, após o principal exemplo de transgressão, também o Senhor lhes decepa todos os subterfúgios, para que não imaginem que tenham conseguido contornar a questão se, omitido o nome de Deus, invocassem o céu e a terra. Importa, ademais, também aqui notar-se de passagem o seguinte: embora não se profira o nome de Deus, contudo os homens juram por ele por meios indiretos, como quando juram pela luz vital, pelo pão com que se alimentam, pelo seu batismo, ou por quaisquer outros penhores da divina munificência para com eles. Com efeito, nem nesta passagem [Mt 5.34, 35], proibindo jurar pelo céu e pela terra e por Jerusalém, está Cristo a corrigir a superstição, como pensam alguns, erroneamente. Pelo contrário, ele está antes a refutar a sofística sutileza daqueles que supunham em nada ser fútil proferir juramentos indiretos, como se assim poupassem o sagrado nome de Deus que, no entanto, foi gravado em cada um de seus benefícios. É outra questão quando se coloca no lugar de Deus ou algum mortal, ou um morto, ou um anjo, exatamente como entre as pessoas profanas a adulação cogitou aquela fórmula nauseabunda: Pela vida ou pelo gênio do Rei, porquanto, então, a falsa apoteose obscurece e diminui a glória do Deus único. Entretanto, quando outro não é o propósito senão buscar do sagrado nome de Deus confirmação de nossas palavras, embora isto se faça indiretamente, em todos os juramentos frívolos sua majestade é ultrajada. Proibindo “de modo algum” jurar, Cristo despoja esta prática desregrada de seu vão pretexto. Ao mesmo propósito se inclina também Tiago [5.12], usando essas palavras de Cristo que citei, porquanto no mundo sempre grassou essa temeridade, a qual, no entanto, constitui uma profanação do nome de Deus. Ora, se aplicas à substância a expressão “de modo algum”, como se de fato, sem nenhuma exceção, fosse ilícito todo e qualquer juramento, a que propósito serviria a explicação que se adiciona logo em seguida: “Nem pelo céu, nem pela terra” etc., palavras mediante as quais se patenteia sobejamente lançar-se mão de subterfúgios do quê pensavam os judeus atenuar-se-lhes o erro?

João Calvino