E assim já não pode
ser ambíguo aos juízos sadios que nesta passagem de Mateus referidao Senhor
desaprovou somente aqueles juramentos que foram proibidos pela lei. Ora, mesmo
Aquele próprio, que na vida exibiu um exemplo da perfeição que ensinava, não se
furtou aos juramentos sempre que as circunstâncias os requeriam e os
discípulos, que não temos dúvida em tudo obedeceram a seu Mestre, seguiram o
mesmo exemplo. Quem ousaria dizer que Paulo haveria de ter jurado, se o
juramento fora inteiramente proibido? Com efeito, onde a situação assim exigiu,
jura sem qualquer escrúpulo, adicionada até mesmo, às vezes, uma imprecação [Rm
1.9; 2Co 1.23]. Entretanto, a questão ainda não está encerrada, uma vez que
alguns julgam que desta proibição se eximem só os juramentos públicos, que são
os que prestamos, conferindo-os e exigindo-os um magistrado, os quais os
príncipes também costumam usar na ratificação de tratados, ou o povo, quando
jura em nome do príncipe, ou o soldado, quando é obrigado por um juramento de
serviço militar, e assim por diante. A esta categoria se aplicam também, e com
razão, os juramentos que se encontram em Paulo com o fim de afirmar a dignidade
do evangelho, visto que os apóstolos, em sua função, não são cidadãos privados,
mas ministros públicos de Deus. E, naturalmente, não nego que esses são os mais
seguros, porquanto se respal dam em testemunhos mais firmes da Escritura.
Prescreve-se que o magistrado em matéria dúbia obrigue a testemunha a
juramento; esta, por sua vez, a responder com juramento. E o Apóstolo diz [Hb
6.16] que as controvérsias humanas se resolvem com este recurso. Neste
mandamento têm ambos, o magistrado e a testemunha, firme aprovação de seu
proceder. Ademais, pode-se observar que também entre os pagãos antigos o
juramento público e solene foi tido em grande reverência; os juramentos comuns,
que faziam indiscriminadamente, foram reputados ou por nada, ou não tão
importantes, como se pensassem que neles a majestade de Deus não interveria. Na
verdade, seria assaz perigoso condenar os juramentos particulares que, em
coisas necessárias, se empregam sóbria, santa e reverentemente, os quais se
apóiam não só na própria razão, mas também em exemplos. Ora, se aos indivíduos
é lícito entre si invocar a Deus como Juiz [1Sm 24.12] em coisa grave e séria,
muito mais o será como testemunha. Teu irmão te acusará de improbidade. Por um
dever de caridade, te esforçarás por te provares ser inocente. Ele não se dará
por satisfeito com nenhuma justificativa tua. Se tua reputação vem a descrédito
por causa de sua obstinada maldade, sem ofensa apelarás para o julgamento de
Deus a fim de que em tempo manifeste ele tua inocência. Se pesados são os
termos, invocar por testemunha é menos que invocar como juiz. Não vejo,
portanto, por que aqui chamaríamos de ilícita a invocação de Deus por
testemunha. Nem faltam muitos exemplos. Se o juramento de Abraão e Isaque com
Abimeleque [Gn 21.24; 26.31] se alega como de caráter público, com certeza,
porém, Jacó e Labão eram indivíduos particulares, os quais, no entanto,
estabelecem um pacto entre si mediante juramento mútuo [Gn 31.53, 54]. Boaz era
cidadão particular, que confirmou da mesma forma o desposório prometido a Rute
[3.131. Obadias era cidadão particular, homem justo e temente a Deus, que
declara com juramento aquilo de que deseja persuadir a Elias [1Rs 18.10].
Conseqüentemente, não tenho nenhuma regra melhor, senão que assim moderemos
nossos juramentos, para que não sejam temerários, nem indiscriminados, nem
caprichosos, nem frívolos, mas, ao contrário, sirvam a justa necessidade, onde
de fato, ou tenha de vindicar-se a glória do Senhor, ou promover a edificação
de um irmão. Pois, para este fim unicamente nos foi dado o mandamento.
João Calvino