Se a
alguém desagrada esta interpretação do número como sendo por demais sutil, nada
impeço a que a tome em termos mais simples, a saber: que o Senhor estabeleceu
um dia determinado em que o povo se exercitasse, sob a direção da lei, a
meditar na incessabilidade do descanso espiritual; que Deus designou o sétimo
dia, ou porque previa ser o mesmo suficiente para isso, ou para que, proposta
uma imitação de seu exemplo, melhor estimulasse o povo, ou, na realidade, o
exortasse a não
atentar para o sábado com outro propósito senão que o conformasse a seu
Criador. Ora, pouco interessa que interpretação se adote, desde que subsista o
mistério que principalmente se delineia: o referente ao perpétuo descanso de
nossos labores. A contemplar isto, os Profetas reiteradamente revocavam os
judeus, para que não pensassem haver-se desincumbido da obrigação do sábado com
a simples cessação física do trabalho. Além das passagens já referidas, assim
tens em Isaías [58.13, 14]: “Se apartares do sábado teu pé, para que não faças
tua vontade em meu santo dia, e ao sábado chamares deleitoso e o dia santo do
Senhor glorioso, e o glorificares, não seguindo teus caminhos e não fazendo tua
vontade, de sorte que fales tua palavra, então te deleitarás no Senhor” etc.
Mas, não há dúvida de que pela vinda do Senhor Jesus Cristo o que era aqui
cerimonial foi abolido. Pois ele é a verdade, por cuja presença se desvanecem
todas as figuras; o corpo, a cuja visão são deixadas para trás as sombras. Ele
é, digo-o, o verdadeiro cumprimento do sábado. Com ele, sepultados através do
batismo, fomos enxertados na participação de sua morte, para que, participantes
de sua ressurreição, andemos em novidade de vida [Rm 6.4]. Por isso, escreve o
Apóstolo em outro lugar que o sábado tem sido uma sombra da realidade futura, e
que o corpo, isto é, a sólida substância da verdade, que bem explicou naquela
passagem, está em Cristo [Cl 2.17]. Esta não consiste em apenas um dia, mas em
todo o curso de nossa vida, até que, inteiramente mortos para nós mesmos, nos
enchamos da vida de Deus. Portanto, que esteja longe dos cristãos a observância
supersticiosa de dias.
João Calvino