Nem
prova nada contra esta distinção o fato de que quase ninguém se possa achar na
Igreja Cristã que se compare com Abraão na excelência da fé, e que os profetas
se tenham excedido neste poder do Espírito pelo qual ainda hoje iluminam o orbe
inteiro. Ora, não está aqui a indagar-se quanto da graça o Senhor tenha
conferido a uns poucos, mas, pelo contrário, que dispensação ordinária tenha
ele seguido em ensinar o povo, a qual aparece entre esses próprios profetas que
foram dotados de conhecimento especial acima dos demais. Pois, a pregação destes
é não somente obscura, como que acerca de coisas longínquas, mas ainda
encerrada em tipos. Além disso, por mais elevado fosse neles o conhecimento,
entretanto, uma vez que tenham tido necessariamente de submeter-se à
“pedagogia” comum do povo, também eles próprios se contam no número das
crianças. Finalmente, jamais a qualquer deles então atingiu perspiciência tão
grande, que de algum modo não percebesse a obscuridade que reinava.219 Donde
essa afirmação de Cristo: “Muitos reis e profetas desejaram ver as coisas que
vós estais vendo, e não viram; e ouvir as coisas que vós estais ouvindo, e não
as ouviram” [Lc 10.24]; “portanto, bem-aventurados vossos olhos, porque vêem, e
vossos ouvidos, porque ouvem” [Mt 13.16]. E certamente foi justo que a presença
de Cristo sobressaísse nesta prerrogativa, a saber, que dela emergiu uma
revelação mais luminosa dos mistérios celestiais. A isto se aplica também o
que, anteriormente, citamos da Primeira Epístola de Pedro [1.12]: “Aos quais
foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas
coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo
enviado do céu, vos pregaram o evangelho.”
João Calvino