Passo então à terceira diferença, que é tomada de
Jeremias, cujas palavras são: “Eis que virão dias”, diz o Senhor, “e celebrarei
com a casa de Israel e com a casa de Judá um pacto novo, não conforme o pacto
que estabeleci com vossos pais, no dia em que os tomei pela mão para os tirar
da terra do Egito, um pacto que tornaram nulo, ainda que eu lhes fosse Senhor.
Mas este será o pacto que celebrarei com a casa de Israel. Porei minha lei em
suas entranhas, escrevê-la-ei em seus corações e me farei propício a sua
iniqüidade. E não ensinará cada um a seu próximo, um homem a seu irmão, pois
todos me haverão de conhecer, desde o menor até o maior” [Jr 31.31-34]. Desta
passagem o Apóstolo tomou ocasião para estabelecer esta comparação entre a lei
e o evangelho, de sorte que àquela chamasse ensino literal, a este, doutrina
espiritual; daquela disse ele ter sido gravada em tábuas de pedra; deste disse
ter sido escrito nos corações; daquela disse ser uma pregação de morte; deste
disse ser de vida; daquela, de condenação; deste, de justiça; daquela, ser
cancelada; deste, diz que permanece [2Co 3.6-11]. Como para o Apóstolo o
propósito era expor a mentedo Profeta, para que atinjamos o sentido de ambos
será bastante considerar as palavras de um só deles. Todavia, há entre eles
algo de semelhança. Pois o Apóstolo fala menos afetuosamente acerca da lei que
o Profeta. Nem diz isto meramente em alusão à lei, mas, porque havia alguns
embusteiros, kako,zhloi [:^:(z}l"] – maus paladinos] da lei, que
obscureciam a clareza do evangelho com o pervertido zelo das cerimônias,
disputa ele, quanto à natureza da lei, segundo o erro deles e sua estulta
afeição. Logo, será importante observar este ponto peculiar em Paulo. Ambos,
porém, já que estão a colocar em contraste entre si o Antigo e o Novo
Testamentos, nada contemplam na lei senão o que lhe é próprio. Por exemplo: a
lei contém, aqui e ali, promessas de misericórdia. Uma vez que, no entanto,
essas promessas foram assumidas de outra procedência, não se contam como parte
da lei, quando se lhe discute a simples natureza. Somente isto lhe atribuem o
Profeta e o Apóstolo: que preceitua o que é reto, proíbe as impiedades,
proclama recompensa aos cultores da justiça, ameaça castigo aos transgressores,
porém, ao mesmo tempo, não muda nem corrige a depravação do coração, que é
inerente a todos os homens
João Calvino