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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O ESPÍRITO E FUNÇÃO DA OBSERVÂNCIA DO DOMINGO


Sou compelido a estender-me um pouco mais aqui, porque alguns espíritos inquietos estão hoje a causar tumulto por causa do Dia do Senhor. Acusam o povo cristão de ser nutrido no judaísmo, porquanto retém certa observância de dias. Eu, porém, respondo que estes dias são por nós observados aquém do judaísmo, porque nesta matéria diferimos dos judeus por larga diferença. Pois, não o celebramos como uma cerimônia revestida com a mais estrita religiosidade, pela qual pensamos representar-se um mistério espiritual. Pelo contrário, tomamo-lo como um remédio necessário para reter-se ordem na Igreja. Ademais, Paulo ensina que os cristãos não devem ser julgados por sua observância, uma vez ser ela mera sombra da realidade futura [Cl 2.16, 17]. Por isso, arreceia-se de que haja trabalhado em vão entre os gálatas, porque ainda observavam dias [G1 4.10, 11]. E aos romanos declara ser supersticioso se alguém julga entre dia e dia [Rm 14.5]. Quem, entretanto, exceto estes desvairados somente, não vê que observância o Apóstolo tinha em mente?Pois, aqueles a quem se dirigia não contemplavam neste propósito a ordem política e eclesiástica; antes, como retivessem os sábados e dias de guarda como sombras das coisas espirituais, obscureciam em extensão correspondente a glória de Cristo e a luz do evangelho. Abstinham-se dos labores manuais não por outra razão senão para que fossem embaraços aos sacros estudos e meditações; e assim, com uma certa devoção,sonhavam que, ao observá-lo, estavam a rememorar mistérios dantes recomendados. Contra esta antagônica distinção de dias, digo-o, investe o Apóstolo, não contra a legítima opção que serve à paz da sociedade cristã. Com efeito, nas igrejas por ele estabelecidas, o sábado era mantido para este propósito. Ora, prescreve ele esse dia aos coríntios, para que se coletem ofertas a fim de serem socorridos os irmãos hierosolimitanos [1Co 16.2]. Se porventura se teme superstição, muito mais perigo havia nos dias de guarda judaicos, nos dias do Senhor, do que agora observam os cristãos. Pois, visto que para suprimir-se a superstição se impunha isto, foi abolido o dia sagrado observado pelos judeus; e como era necessário para se conservarem o decoro, a ordem e a paz na Igreja, designou-se outro dia, o domingo para este fim.

João Calvino