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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A IGREJA COMO A COMUNHÃO DOS SANTOS

Não obstante, o artigo do Credo estende-se também, até certa extensão, à Igreja exterior, a fim de que cada um de nós se contenha em fraterno consenso com todos os filhos de Deus, defira à Igreja a autoridade que ela merece, enfim, assim se conduza como ovelha do rebanho. E por isso se associa a expressão “a comunhão dos santos”, frase que, embora fosse ordinariamente omitida pelos antigos, contudo não pode ser negligenciada, uma vez que exprime excelentemente a natureza da Igreja, como se ocorresse que com esta norma os santos são agregados à sociedade de Cristo: que todos e quaisquer benefícios que Deus lhes confira, entre si, mutuamente, compartilhem. No entanto, com isso não se destrói a diversividade das graças, assim como sabemos que os dons do Espírito são distribuídos variadamente; tampouco se reverte a ordem política, pela qual é lícito a cada um possuir particularmente seus bens, como se faz necessário a fim de conservar-se a paz entre os homens, que a posse das coisas seja entre eles própria e distinta. Mas, uma comunidade se estatui como a descreve Lucas: que “da multidão dos que criam um fosse o coração e uma a alma” [At 4.32]; e Paulo, quando exorta os efésios a que fossem “um só corpo, um só espírito, assim como foram chamados em uma só esperança” [Ef 4.4]. Pois não pode acontecer, se verdadeiramente foram persuadidos de que Deus é o Pai comum de todos, e Cristo o Cabeça comum, que, unidos entre si de fraterno amor, não partilhem suas coisas uns com os outros. Ora, é de nosso máximo interesse saber que fruto nos advenha daí. Por esta razão cremos na Igreja, que estejamos seguramente persuadidos de que somos seus membros. Porque deste modo nossa salvação se apóia em suportes seguros e sólidos, de sorte que, ainda quando seja abalada toda a máquina do orbe, ela própria não se mova e tombe por terra: primeiro, ela se sustém com a divina eleição, não pode variar ou falhar, senão com sua eterna providência; então, de certo modo associada com a firmeza de Cristo, que não mais permitirá que seus fiéis sejam de si alijados, que sejam arrancados e despedaçados seus membros; mais ainda, que de fato, enquanto somos mantidos no seio da Igreja, estamos seguros de que sempre haverá de permanecer conosco; finalmente, que sentimos nos dizer respeito estas promessas: “Haverá salvação em Sião” [Jl 2.32; Ob 17], “pois Deus habitará eternamente no meio de Jerusalém, para que nunca seja abalada” [Sl 46.5]. Tal é a grandeza da unidade da Igreja, que por ela nos mantemos na companhia de Deus.4 Igualmente, no próprio termo comunhão há muito de consolação, porque, enquanto foi estatuído que a nós pertence tudo quanto o Senhor prodigaliza aos seus e a nossos membros, assim nossa esperança se confirma com os bens que eles possuem. Todavia, para desse modo abraçar a unidade da Igreja, de modo algum se faz necessário, como dissemos, contemplar a própria Igreja com os olhos ou apalpá-la com as mãos; senão que, antes, visto que está situada na fé, somos admoestados a que de nada menos cogitemos quando nos transcede a compreensão, o que se mostra claramente. Nem por isso nossa fé é pior, porque apreende uma Igreja incógnita, quando aqui não se nos ordena distinguir os réprobos dos eleitos, o que é apanágio exclusivo de Deus, não nosso, mas estabelecer seguramente em nossa mente que todos aqueles que, pela clemência de Deus o Pai, mediante a operação do Espírito Santo, vieram à participação de Cristo, foram separados para pecúlio de Deus e sua propriedade peculiar, e, quando formos do número destes, seremos coparticipantes de tão imensurável graça.

João Calvino