Não obstante, o artigo do Credo estende-se também, até certa extensão, à Igreja
exterior, a fim de que cada um de nós se contenha em fraterno consenso com todos
os filhos de Deus, defira à Igreja a autoridade que ela merece, enfim, assim se
conduza como ovelha do rebanho. E por isso se associa a expressão “a comunhão
dos santos”, frase que, embora fosse ordinariamente omitida pelos antigos, contudo
não pode ser negligenciada, uma vez que exprime excelentemente a natureza da
Igreja, como se ocorresse que com esta norma os santos são agregados à sociedade
de Cristo: que todos e quaisquer benefícios que Deus lhes confira, entre si, mutuamente,
compartilhem. No entanto, com isso não se destrói a diversividade das graças,
assim como sabemos que os dons do Espírito são distribuídos variadamente;
tampouco se reverte a ordem política, pela qual é lícito a cada um possuir particularmente
seus bens, como se faz necessário a fim de conservar-se a paz entre os homens,
que a posse das coisas seja entre eles própria e distinta. Mas, uma comunidade
se estatui como a descreve Lucas: que “da multidão dos que criam um fosse o
coração e uma a alma” [At 4.32]; e Paulo, quando exorta os efésios a que fossem
“um só corpo, um só espírito, assim como foram chamados em uma só esperança”
[Ef 4.4]. Pois não pode acontecer, se verdadeiramente foram persuadidos de que
Deus é o Pai comum de todos, e Cristo o Cabeça comum, que, unidos entre si de
fraterno amor, não partilhem suas coisas uns com os outros.
Ora, é de nosso máximo interesse saber que fruto nos advenha daí. Por esta
razão cremos na Igreja, que estejamos seguramente persuadidos de que somos seus
membros. Porque deste modo nossa salvação se apóia em suportes seguros e sólidos, de sorte que, ainda quando seja abalada toda a máquina do orbe, ela própria
não se mova e tombe por terra: primeiro, ela se sustém com a divina eleição, não
pode variar ou falhar, senão com sua eterna providência; então, de certo modo associada
com a firmeza de Cristo, que não mais permitirá que seus fiéis sejam de si
alijados, que sejam arrancados e despedaçados seus membros; mais ainda, que de
fato, enquanto somos mantidos no seio da Igreja, estamos seguros de que sempre
haverá de permanecer conosco; finalmente, que sentimos nos dizer respeito estas
promessas: “Haverá salvação em Sião” [Jl 2.32; Ob 17], “pois Deus habitará eternamente
no meio de Jerusalém, para que nunca seja abalada” [Sl 46.5]. Tal é a grandeza
da unidade da Igreja, que por ela nos mantemos na companhia de Deus.4
Igualmente,
no próprio termo comunhão há muito de consolação, porque, enquanto foi
estatuído que a nós pertence tudo quanto o Senhor prodigaliza aos seus e a nossos
membros, assim nossa esperança se confirma com os bens que eles possuem.
Todavia, para desse modo abraçar a unidade da Igreja, de modo algum se faz
necessário, como dissemos, contemplar a própria Igreja com os olhos ou apalpá-la
com as mãos; senão que, antes, visto que está situada na fé, somos admoestados a
que de nada menos cogitemos quando nos transcede a compreensão, o que se mostra
claramente. Nem por isso nossa fé é pior, porque apreende uma Igreja incógnita,
quando aqui não se nos ordena distinguir os réprobos dos eleitos, o que é apanágio
exclusivo de Deus, não nosso, mas estabelecer seguramente em nossa mente que
todos aqueles que, pela clemência de Deus o Pai, mediante a operação do Espírito
Santo, vieram à participação de Cristo, foram separados para pecúlio de Deus e sua
propriedade peculiar, e, quando formos do número destes, seremos coparticipantes
de tão imensurável graça.
João Calvino