Resta, ainda, o rito de ordenação, ao qual demos o último lugar na consideração
da vocação. Contudo é manifesto que os apóstolos não se serviram de outra
cerimônia, quando admitiam alguém ao ministério, além da imposição de mãos.
Contudo julgo que este rito é oriundo do costume dos hebreus que, pela imposição
de mãos, era como se apresentassem a Deus aquilo que queriam que fosse abençoado
e consagrado. Assim Jacó, estando para abençoar a Efraim e a Manassés, impôs
as mãos sobre as cabeças deles [Gn 48.14]. Isto seguiu nosso Senhor ao fazer sua
oração em favor das crianças [Mt 19.13-15]. Com o mesmo significado, segundo o
vejo, os judeus impunham as mãos sobre seus sacrifícios, conforme o prescrito pela
lei [Lv 1.4; Nm 8.12, e muitas outras passagens nesses dois livros]. Daí, pela imposição
de mãos os apóstolos significavam que estavam oferecendo a Deus aquele a
quem iniciavam no ministério, se bem que a usaram também sobre aqueles a quem
conferiam as graças visíveis do Espírito [At 19.6]. Seja como for, este foi o rito
solene sempre que chamavam alguém para o ministério eclesiástico. Assim como
consagravam os pastores e os mestres, também os diáconos.
Mas, embora nenhum preceito expresso subsista quanto à imposição de mãos,
uma vez que, no entanto, a vemos vigorar em uso perpétuo pelos apóstolos, essa sua
observância tão acurada deve valer-nos por preceito. E certamente é útil como símbolo
desta natureza, tanto para recomendar ao povo a dignidade do ministério, quanto
para advertir aquele que é ordenado, de que já não é de seu direito, mas antes é
dedicado em servidão a Deus e à Igreja. Isto posto, não será um sinal sem sentido, se
for restaurado a sua origem genuína. Ora, se o Espírito de Deus nada institui na Igreja em vão, haveremos de sentir, quando ela for provida por ele, que esta cerimônia
não é inútil, desde que não se converta a abuso supersticioso.
Finalmente, isto há de ter-se em conta: que nem toda a multidão impunha as
mãos sobre seus ministros, mas somente os pastores, embora seja incerto se eram ou
não sempre muitos os que impunham as mãos. Claramente se vê que se procedeu
assim no caso dos diáconos29 [At 6.6], de Paulo e Barnabé [At 13.2, 3] e de alguns
outros poucos. Mas o próprio Paulo, em outro lugar [2Tm 1.6], rememora que ele,
não muitos outros, impôs as mãos sobre Timóteo: “Relembro-te”, diz ele, “que reanimes
a graça que em ti há pela imposição de minhas mãos.” Pois o que se diz na
outra Epístola acerca da imposição de mãos do presbitério [1Tm 4.14], não aceito
como se Paulo esteja falando do colégio de presbíteros, mas antes com este termo
entendo a própria ordenação, como se estivesse dizendo: “Faz com que a graça que
recebeste por imposição de mãos, ao constituir-te presbítero, não seja infrutífera.”
João Calvino